Thamires Lima

Tamanho único não existe

“A gente já começa a sofrer com o corpo desde criança, né? Desde os apelidos de escola, de gorda, baleia, saco de areia… Eu levava isso na maior, porque eu era uma menina que amava brincar com os meninos, sabe? Eu era muito maloqueira na escola, então se viessem fazer piadas comigo, eu ia entrar na resenha. Mas depois você vai ver o quanto isso é problemático”. A jornalista Thamires Lima explica que vivenciar a gordofobia como uma mulher adulta é muito desafiador. E quando o preconceito começa desde a infância é de forma tão enraizada que faz as meninas acreditarem que o problema está no próprio corpo.

Com 24 anos, Thamires Lima é formada em jornalismo pela Universidade Católica de Pernambuco e está concluindo sua especialização em jornalismo independente. Além de ser freelancer, ela trabalha na comunicação interna da Visão Mundial, uma Organização Não Governamental (ONG) que atua em defesa dos direitos da criança e do adolescente e pela proteção de populações vulneráveis.

Nascida em um ambiente familiar cristão e evangélico, Thamires frequentou por anos uma igreja convencional. Apesar de sua família ter sempre a incentivado a explorar seu lado comunicador e de liderança, os ideais conservadores desse ambiente, como a proibição de sexo antes do casamento, divergiam do que Thamires acreditava. “Por isso é muito importante a gente estimular essas discussões na escola, justamente para a gente tentar fazer com que esse conhecimento seja o mais leve possível, pois reflete nas nossas relações. Eu lembro nitidamente de paquerar com os meninos e eles paquerarem a minha amiga que era magra, loira, de olhos claros”, contou a jornalista.

Em 2014, quando iniciava suas duas graduações em Letras e Jornalismo, sua visão era abrir uma ONG para trabalhar com crianças no sertão. Já estava na universidade quando começou a refletir sobre os padrões de beleza, lendo autoras feministas e trabalhando pautas relacionadas ao corpo. Até então, mesmo sofrendo com o preconceito desde criança, Thamires ainda considerava um tabu usar termos como gorda e gordofobia para se expressar em relação à sua identidade.
A jornalista recorda quando teve sua primeira relação sexual, aos 19 anos, e ficou com vergonha de tirar a roupa, “Assim, eu lembro do momento ser de luzes apagadas porque eu não queria que a pessoa visse meu corpo. Essa pessoa não foi aquele tipo escroto que me diminuiu ou disse que era frescura, ela foi me tranquilizando e me deixou super à vontade”. Essa situação desencadeou vários questionamentos sobre tudo a que Thamires se privou por ser gorda, especialmente o uso de roupas justas, curtas, chamativas.
A consciência dela sobre o corpo mudou quando entendeu que não podia fazer nada para se encaixar nesse padrão e, também, ao reconhecer que não tinha essa vontade. “Eu não lembro exatamente quando eu disse: poxa, vou me aceitar. Porque eu acho que não é uma chavinha, sabe? Não é da noite pro dia. Costumo dizer que eu me jogo na internet para causar essa reflexão sobre corpo, porque eu amo falar sobre corpo, amo falar sobre autoestima. Talvez seja porque eu não tinha isso na minha época, eu tava parando para analisar essa semana, as revistas que eu lia que eram a Capricho, a Atrevida… Sempre com capas sobre como emagrecer, pílulas para ter o corpo perfeito… Eu vejo o quanto as mídias estão mudando, já existe essa linguagem de aceitação que é uma coisa massa.”

Projeto Olhe-se: a beleza além do peso!

Ao longo da universidade, Thamires foi desenvolvendo sua linha de pesquisa voltada para a relação das mulheres com seus corpos, até que em 2017 nasceu o projeto “Olhe-se!”. A iniciativa ocorreu durante a Parada das Mulheres do dia 8 de Março, quando refletiu sobre antigas questões, como a visão de que mulheres gordas não poderiam ser felizes com seus corpos. E, também, com a ideia de criar algo que ajudasse a despertar o processo de libertação em outras mulheres, assim como o que ela estava vivendo.

Créditos: Leila Leão
“Essa foto foi do primeiro encontro do Olhe-se e eu meti a cara mesmo, sabe? Para ouvir as histórias. Porque antes eu ficava naquele universo de jornalismo, trabalhava em jornal, então não usava muito minha rede social para isso, mas depois que eu lancei a ideia do projeto, foi quando eu decidi que precisava me voltar mais para isso, né? E também porque minhas pautas na faculdade sempre eram muito sobre mulheres.” relata a recifense. Um dia antes do evento, Thamires postou no facebook, despretensiosamente, um convite chamando essas mulheres para uma roda de diálogo e depois ela resolveu capturar essa pauta através da fotografia.
Então, ela começou a falar de empoderamento por conta do projeto e até hoje segue essa linha de pesquisa com a intenção de trabalhá-la de forma mais plural, não só com mulheres gordas. No seu perfil do instagram, que conta com 6 mil seguidores, Thamires tenta provocar a reflexão sobre autoestima e autocuidado, mostrando que não é um processo fácil, que acontece de um dia para o outro. “As pessoas fazem da autoestima um produto, então, quando você faz dela algo a ser consumido, você vai gastar dinheiro, energia e tempo, né? Quando a gente devia estar gastando tudo isso se conhecendo e vendo o que desejamos para nós mesmos.”