além da deficiência

Uma luta pelo
direito de ser mãe

Toda mulher tem o direito de escolher viver a maternidade ou não. Porém, a mulher com deficiência é questionada sobre a sua capacidade de ser mãe mais que qualquer outra. Muitas mulheres PCDs ainda escutam que não podem ter filhos por serem consideradas incapazes de viver essa maternidade. Além disso, há um estigma de que toda mulher com deficiência é estéril. Esse julgamento acerca da maternidade da mulher PCD traz um peso ainda maior para um momento que deveria ser especial.
Mirelly está deitada de bruços em uma cama com os pés na cabeceira. Junto de seu rosto está seu bebê usando uma camiseta amarela, calça azul e sapatinhos
Tornar-se mãe para uma mulher com deficiência também é um desafio, já que além de adaptar-se à maternidade, ela precisa tornar acessíveis os cuidados com o bebê. Essa é a realidade de Mirelly Botelho, que durante toda a gravidez teve sua capacidade como mãe questionada por ser uma mulher PCD. Portadora de Agenesia, Mirelly possui apenas uma das mãos e precisou adaptar-se à essa nova realidade.

Mísia Gouveia também é mãe com deficiência e teve que se adaptar à maternidade. Portadora de paralisia cerebral, ela desde muito nova utiliza a cadeira de rodas para a sua locomoção e no auxílio à criação e desenvolvimento de seu filho, de 10 anos. Para ela, a deficiência não limita o amor e o cuidado, porém muitos duvidaram de que ela fosse capaz de proteger e zelar pela criança. “O amor que tenho pelo meu filho vai além das minhas limitações, pois é ele que faz com que nada me impeça de viver a maternidade. Além disso, a maternidade faz com que eu prove a todos o quanto eu sou capaz, independente do que pensem de mim,” dispara.

No Brasil, não existe nenhuma política pública direcionada às mulheres com deficiência. Desta forma, o grupo feminino PCD ainda continua em extrema invisibilidade social, principalmente no âmbito da saúde. O sistema Único de Saúde não oferece suporte adequado para conduzir essas mulheres a uma obstetrícia acessível, já que os hospitais não possuem uma acessibilidade adequada para exames preventivos e obstétricos. Além disso, existe o mito de que mulheres com deficiência não possuem uma vida sexualmente ativa.

De acordo com Ana Luiza (não identificada), seu maior constrangimento como mulher PCD foi ao tentar fazer o exame de prevenção. “Não pude fazer o preventivo porque, de acordo com a enfermeira, eu era virgem, só de olhar para minha deficiência física. Para ela, estar em uma cadeira de rodas me desclassificava de fazer o exame, já que fui taxada como assexuada. Fiquei em choque, por ter a minha sexualidade questionada na frente de todos,” relata.

Os hospitais públicos tentam adaptar-se à realidade dessas mulheres, mas barreiras como: estrutura física, que muitas vezes são antigas, e a falta de verba impossibilitam que os atendimentos sejam adequados. Essa é uma das reclamações feitas pela enfermeira-chefe do Departamento de Reprodução Assistida do Hospital/Maternidade CISAM, Maria Benita Alves da Silva. Para ela, muitas vezes, a falta de recurso e estrutura impossibilita o atendimento, mas é imprescindível que essas mulheres sejam atendidas. Além disso, Benita também considera de extrema importância para a saúde da mulher a realização do exame preventivo.

Poucos são os hospitais que possuem acessibilidade para as mulheres com deficiência, já que há uma escassez de aparelhos adaptados para exames de mama e de prevenção. Abaixo, você confere alguns hospitais dos bairros do Recife que possuem acessibilidade para mulheres PCDs.

Mas nem todas as mulheres com deficiência conseguem realizar o sonho de serem mães de forma natural. Algumas são LGBTQIA +. Nesses casos, elas podem recorrem à adoção para realizarem o desejo da maternidade. Contudo, como o Sistema Brasileiro de Adoção vê o desejo dessas mulheres?

De acordo com a advogada Vitória Tenório, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, (LEI Nº 13.146, DE 6 DE JULHO DE 2015, art. 6º) declara que a referida condição não afeta a capacidade civil de alguém, ou seja, não impede que possa adotar, ou casar, exercer seus direitos sexuais e reprodutivos, dentre outros aspectos que dizem respeito ao seu exercício civil. Deste modo, a Lei assegura que a mulher com deficiência acesse o sistema de adoção. Mas não é tão fácil na prática. Para ela há um estigma social que atinge as mulheres com deficiência durante o processo de adoção. “Existe um desenvolvimento que, socialmente, as mulheres passam para alcançar a condição de igualdade perante a sociedade. Entretanto, alguns juízes ainda consideram as mulheres com deficiência incapazes de adotar uma criança devido aos estigmas sociais e por acharem elas incapazes. Já tive conhecimento de alguns casos de adoção que o requerente era uma pessoa com deficiência e o processo se tornou um pouco mais longo,” explica.

É imprescindível que essas mulheres tenham autonomia para realizarem seus sonhos na sociedade. Desta forma, é necessário repensar a maneira de fazer políticas públicas para estas mulheres para que elas acessem seus direitos como é garantido no sistema jurídico brasileiro.

Devotees: mitos e preconceitos

Para quem nunca ouviu falar, os Devotees são pessoas, homens ou mulheres, heterossexuais ou homossexuais que sentem atração por pessoas com deficiência. De acordo com o artigo do Dr. Richard L. Bruno, do Instituto de Pós-pólio do Hospital de Englewood, de Nova Jersey, EUA, há relatos de devotees desde 1800. Contudo, foi só a partir do nascimento das redes sociais que eles ganharam espaço na sociedade. Essa prática tornou-se tão comum ao ponto de existirem sites de pornografia e relacionamentos voltados apenas para este público.

Muitas pessoas com deficiência ainda não possuem conhecimento sobre a temática devotee e quando tomam ciência, rejeitam o pensamento de que pessoas consideradas “perfeitas” sentem prazer por alguém com deficiência. Esse é o caso de Ana Luiza (não identificada), que ao descobrir sobre o devoteísmo, demorou a aceitar que poderia ser desejada. “Primeiro, eu pensei que isso fosse mentira da internet, depois me veio o medo do desconhecido, mas, parei para pensar: se não me fizer mal o que me custa tentar? Então, criei uma conta no aplicativo de relacionamento devotee e conheci vários caras legais e alguns nem tanto assim.” relata.

Existem dois lados da moeda dentro do universo do devoteísmo: os que desejam um relacionamento e sentem-se atraídos por PCDs e os que querem algo de momento e buscam sem pensar se vão machucar a outra pessoa. De acordo com Guilherme Medeiros, participante da rede social Devotee, ele está em busca de um amor além da aparência física. “Sou um devotee porque gosto de cuidar de pessoas com deficiência, mas um devotado, como a palavra mesmo diz, é ser cuidadoso e amoroso com a pessoa. Só me relaciono com mulheres PCDs, mas nunca as destratei. Contudo, conheço devotees que realmente humilham essas mulheres,”. explica.

Desta forma, há devotees que só desejam satisfazer seus fetiches e, em alguns casos, isso pode virar até uma obsessão. Nesses episódios, o indivíduo só procura a deficiência e esquece a pessoa. Isso torna-se um tipo de relacionamento tóxico, já que muitos PCDs são humilhados e sofrem abusos psicológicos e sexuais.

Esses tipos de abusos poderiam ser evitados com a educação sexual necessária, já que a maioria das mulheres com deficiência cresce sem o conhecimento básico dos limites de seus próprios corpos. Para a pedagoga Amanda Kerline, meninas com deficiência são educadas como eternas crianças e isso traz um grande prejuízo, já que muitas das vezes elas não conseguem distinguir o que é um abuso. Além disso, para ela, a educação sexual precisa adequar-se às experiências psicossociais que cada mulher PCD está inserida.

As mulheres com deficiência têm o direito de viver a sua sexualidade, e não precisam se privar de um relacionamento amoroso por medo, mas é necessário manter-se cautelosa durante o processo de conhecimento para não ser enganada por pessoas abusivas.
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