Marcas pequenas e negócios sustentáveis: como atrair clientes?

Não sabemos bem se o discurso se aplica à prática, mas 87% dos consumidores brasileiros disseram preferir comprar de marcas sustentáveis e 70% garantiram não se importar em pagar mais por isso. Pelo menos é o que aponta a pesquisa realizada em 2017 pela  pela Union + Webster (Sistema Fiep). Os dados revelam que a demanda já existe, cabendo às marcas encontrar a melhor forma de comunicar o impacto socioambiental dos seus negócios aos clientes interessados.

De fato, as marcas baseadas na sustentabilidade têm um grande diferencial competitivo ao adotar as práticas dos 5 R’s: repensar, reduzir, recusar, reutilizar e reciclar. Mas como uma marca pequena e sustentável consegue atrair os clientes, já que possui uma proposta de valor diferente das grandes lojas do varejo de fast fashion

A gestora de Moda do Sebrae PE, Verônica Ribeiro, diz que a moda autoral tem o design como principal valor agregado. “A exclusividade, os apelos comunicacionais e simbólicos dão prestígio a essas marcas que passam a ser percebidas pelos consumidores por esses ativos”, afirma. “A identidade própria está presente cada vez mais no mercado inclusivo, que busca uma autoralidade e que, consequentemente, abre mais espaço para a apresentação de novas pequenas marcas”, complementa.

Uma das marcas que domina as ferramentas de marketing e comunicação para disseminar seus valores é a @refazenda. Originalmente recifense, está no mercado há quase 30 anos e carrega em seu DNA o ideal de sustentabilidade.  Ao longo do tempo, a Refazenda criou um mapa de atributos que assemelha-se com uma cesta de características partindo do princípio do ‘design de desejo’ (termo criado pela Refazenda), atemporalidade, alta qualidade, acabamentos impecáveis e peças feitas à mão, além de parceria com cooperativas, lojas afetivas (que oferecem cafés especiais) e serviços inovadores (como, por exemplo, o Realce e Reouse).

Magna Coeli, estilista e fundadora da Refazenda

De acordo com o gestor da Refazenda, Marcos Queiroz, cada um desses atributos faz com que a marca comunique com um grupo diferente de pessoas que não necessariamente identificam-se pela questão da sustentabilidade. “Demoramos para entender, mas, uma vez que a ficha caiu, tornou-se mais fácil a nossa estratégia de comunicação na qual a gente conversa com pessoas desses grupos, proporcionando uma reverberação, ou seja, cliente atraindo cliente e, assim, conseguimos conquistá-los”, enfatiza.

A estudante de Design de Moda, Maria Clara Otto (22), consome produtos das marcas de moda consciente e sustentável. A decisão veio a partir do entendimento da realidade das fast fashions e da necessidade de um consumo mais coerente em relação ao planeta. “Os prós é que são artigos de melhor qualidade, ou seja, mais duráveis. Saber de onde vem o que estou consumindo e toda a história por trás do produto e da marca faz toda diferença”, disse. “Já os contras acabam sendo a praticidade da compra, porque as lojas situam-se em locais mais distantes da minha casa sendo muitas vezes o frete com um custo alto e, também, a facilidade de pagamento das grandes marcas em relação às pequenas”, complementa.

Já a estudante de Jornalismo Letícia Monteiro (19), também consome há alguns anos e afirma que os preços mais altos praticados pelas marcas sustentáveis é a melhor qualidade. “Acho que é um problema  de mentalidade, pois no valor de uma peça também está incluso não só o custo da matéria prima mas também da mão de obra, do valor, do conhecimento, do trabalho e do tempo de quem produziu”, afirma. “É melhor pagar um pouco mais numa roupa que vai durar o dobro do tempo do que pagar menos em uma que logo terá que ser substituída. Até por que tecido demora para se decompor, então, a matéria da peça inferior não vai servir para vestir, mas vai continuar no planeta por vários anos”, acrescenta.

No entanto, a professora e consultora em Negócios de Moda, Karina Fernandes, afirma que esse perfil é de um consumidor pontual e não dominante no mercado de moda. “Sim, temos, predominantemente, consumidores conscientes com relação ao consumo de procedência socioambiental”, diz. “A nova geração está cobrando o redirecionamento de estratégias de marca na produção, na transparência e no comportamento comercial”, declara.  

Uma das marcas que também anda na contramão das fast fashions é a @vivayê.  Naturalmente recifense, a marca começou de maneira amadora, porque sua criadora, Cláudia Renda (28), advogada por formação, não possuía experiência com moda ou com gestão empresarial. Ela e a amiga, Beatriz Beltrão (28), juntaram alguns tecidos e, como sempre gostaram de criar roupas, se aperfeiçoaram na prática. “Vi que existia um espaço no mercado de moda e que realmente gostava muito de fazer aquilo. Com isso, fui me dedicando mais, fazendo cursos tanto, contando com o apoio do Sebrae e de consultorias especializadas”, afirma Cláudia.

O principal canal de vendas e atração de clientes da Vivayê é o Instagram. “Tentamos torná-lo mais pessoal, mostrando o máximo possível do aspecto humano por trás de cada peça, contando histórias sobre os produtos, agregando a parte criativa que está por trás e comunicando tudo isso através da plataforma digital”, disse Cláudia. “Além disso, também buscamos educar o nosso consumidor em relação à uma alternativa de consumo mais consciente, que é a moda slow fashion. Isso é, realmente, um grande diferencial”, declara.

Letícia Monteiro, consumidora antenada e curiosa, sabe que os produtos apresentam um controle de qualidade e de matéria prima superior pois não são feitos em larga escala. O ciclo de produção é, muitas vezes, bem menor, o que acarreta mais transparência do processo de produção, resultando, também, uma remuneração mais justa por toda a cadeia. “Geralmente, quem vende as peças é quem produz, então, o consumidor tem a chance de conhecer o que e quem está por trás da marca”, menciona. “O que ainda acho deficiente em algumas delas são os tamanhos, que muitas vezes são pequenos, ainda que cada marca conheça seu público-alvo, é importante agregar e não excluir”, complementa.

Rua das Bobas: uma marca recifense e slow

Assim como a Refazenda e a Vivayê, a @ruadasbobas é genuinamente recifense e slow fashion. A marca é de autoria das irmãs, Jaci (28) e Nielly Brito (35). Jaci é publicitária e cuida das estratégias de marketing, produção de conteúdo e atendimento. Já Nielly é contadora e fabrica todas as peças. Quando a demanda fica mais intensa, conta com o apoio da mãe, que também é costureira. O que as duas irmãs fazem em comum é pensar e criar todos os modelos para as futuras coleções.

Jaci e Niely iniciaram a Rua das Bobas no final de 2014. A princípio, só produziam as peças e postavam no Instagram sem se preocuparem com coleção, branding e tudo o que envolve uma marca. Aos poucos, foram estudando, conhecendo o público e buscando inspirações. Em 2017, lançaram o site da marca e começaram a produzir peças inseridas em coleções.

Segundo Jaci, as irmãs começaram a empresa com o nome definido, que já existia antes mesmo da marca nascer. “Sabíamos desde cedo o que queríamos transmitir. Quando lançamos o site, conseguimos atingir outros estados e conquistar ainda mais a confiança dos clientes”, disse. “Trabalhar com moda sempre foi um sonho para nós, pois, graças à nossa mãe, sempre tivemos contato com costura e foi ela quem nos ensinou todas as técnicas”, declara. 

Hoje, apesar de a Rua das Bobas ainda ser uma marca pequena, perceberam o quanto o site a fez crescer, tanto na confiança das pessoas quanto em vendas e no posicionamento do negócio. Com isso, sentiram a necessidade de estar fisicamente no Recife, cidade onde residem, porque muitas clientes queriam provar antes de comprar. “Durante alguns meses, fizemos parte do ‘Espaço Bora’ no Shopping Paço Alfândega. Atualmente, somos parte da @casamoinho, loja colaborativa no bairro das Graças e também funciona como um ponto de retirada de pedidos feitos através do site”, relata Jaci.

De acordo com Jaci, o maior desafio é manter uma marca local que não produz em grande escala. “Nos preocupamos com questões éticas e sustentáveis em meio à tantas fast fashions com preços finais absurdamente abaixo do normal, com peças produzidas muitas vezes em condições de trabalho escravo, infantil e desumanas”, expressa. 

O principais canais de comunicação da Rua das Bobas são o Instagram e o Whatsapp. Com a última coleção lançada, as irmãs também criaram uma newsletter para divulgar as novidades. Além disso, uma das formas de atrair os clientes é explorar ao máximo as ferramentas do próprio Instagram, como os stories, reels, IGTV. E, também, com menos frequência, o tráfego pago (Instagram e Facebook ADS). 


Após definirem a persona (cliente ideal entre aqueles que compõem o seu público-alvo tendo em vista suas características, hábitos e interesses, incluindo gênero e faixa de renda), as irmãs identificaram alguns conteúdos que fazem sentido para a Rua das Bobas. “Um exemplo que engaja bastante e traz novos seguidores são os bastidores da própria marca, tipo unboxing, que mostra como a roupa é feita, os detalhes das peças, os tecidos”, enfatiza Jaci. “Além disso, conteúdos sobre consumo consciente, sobre o Recife, cinema e séries, dicas de styling, memes que fazem sentido para a persona, enquetes, quiz, skincare e autocuidado, tudo isso falando da própria marca e transmitindo de uma forma leve e descontraída”, explica.

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