Onde vão parar os resíduos químicos das roupas produzidas?
De acordo com a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (ABIT), o Brasil produz cerca de 100.000 toneladas de peças de roupas ao longo do ano e 12% do total é desperdiçado, transformando-se em resíduo têxtil. A maior parte vai para aterros sanitários e demora até 400 anos para deteriorar-se, ou é então incinerado, liberando, assim, gases nocivos ao meio ambiente.
Em mensagem para o Dia Mundial do Habitat, celebrado em 1º de outubro de 2018, a chefe do Programa das Nações Unidas para Assentamentos Humanos (ONU-Habitat), Maimunah Sharif, cobrou mudanças nos padrões de consumo para combater o excesso de lixo nas cidades. Sharif declarou: “O volume de lixo no mundo é enorme. Uma parte é reciclada, mas muito é simplesmente descartado, causando problemas de saúde para pessoas e animais e poluindo nosso meio ambiente. A quantidade de lixo produzido por indivíduos, comunidades, empresas, instituições, mercados e fábricas continua a crescer tremendamente”, disse.
Neste cenário, a indústria da Moda é uma das mais desafiadoras em questão de sustentabilidade. Embora seja uma das maiores geradoras de empregos e renda no mundo (segundo dados da ONU Meio Ambiente, ela está avaliada em cerca de US$ 2,4 trilhões e emprega mais de 75 milhões de pessoas internacionalmente), os impactos no planeta desde a origem das matérias primas até o descarte são profundos e diversos em toda a sua dimensão. Outro dado impressionante da ONU Meio Ambiente é que se perdem cerca de US$ 500 bilhões por ano com o descarte de roupas que vão direto para aterros e lixões e sequer são recicladas.
O resultado do consumo desenfreado multiplica os impactos ambientais. De acordo com a Harvard Business School (HBS) uma peça de roupa usada menos de cinco vezes, colocada no lixo após um mês, emite mais 400% de gás carbono do que uma usada 50 vezes e preservada por um ano. Segundo o diretor do Instituto Akatu, Helio Mattar, o consumo mundial, além de estar mal distribuído, está descontrolado: cerca de 20% da população mundial concentra o consumo de 80% de todos os produtos e serviços do planeta.
Foto: Reprodução/RBS TV
Formada em Logística e estudante de Administração, Geórgia Rocha (24), confessa que tem conhecimento limitado à respeito da complexa trajetória do lixo têxtil, mas sabe que o descarte não é correto e, em sua maioria, inadequado. “Não há nenhum glamour na indústria da moda descartável, desde o início do processo produtivo até chegar ao consumidor. Se aprofundarmos a discussão para o uso consciente dos recursos ambientais, não precisamos ir para muito longe e nem falar de grandes marcas, o município de Toritama, no Agreste pernambucano, é um exemplo completo”, diz. “A poluição dos rios se deu em grande parte pela destinação inadequada da água usada no processo de lavagem dos jeans. O quadro geral é o descumprimento total ao tripé da sustentabilidade e ele só muda com conscientização”, afirma.
A estudante de Jornalismo Marina Melo (20), também se preocupa com a quantidade de material têxtil descartado. “Acredito que, infelizmente, a indústria da moda ainda não despertou sobre o prejuízo do descarte incorreto a longo prazo, apesar de já existir a visão de moda sustentável tanto na matéria prima quanto na reutilização”, diz. Acho que é preciso ir na raiz do problema, tendo consciência desde a produção até chegar até o lixo têxtil”, expressa.
Responsabilidade socioambiental
As indústrias têxteis são apresentadas como grandes geradoras de diferentes resíduos sólidos. Entre os setores com maior sobra de tecidos, destaca-se o do corte das peças, principalmente, quando não há um preparo técnico de encaixe de modelagem. Por isso, algumas mudanças são fundamentais em uma empresa da moda que deseja ampliar sua responsabilidade socioambiental. A utilização de tecidos com “selo verde” ou ecofriendly, como algodão orgânico e tecidos “desfibrados” (compostos por retalhos ou fibra de garrafa PET) e o uso de corantes naturais para tingir os tecidos são exemplos. Os consumidores podem optar pelas peças clássicas que sejam de qualidade, mais duráveis e atemporais e não se ater aos modismos passageiros.
O upcycling vem da famosa frase: “do lixo ao luxo”. A prática consiste na reutilização de sobras de materiais têxteis da produção de itens de vestuário que, provavelmente, iriam poluir o meio ambiente. É um dos conceitos que mais se encaixam no propósito da moda sustentável. A técnica ainda permite exercer a criatividade e poupar o meio ambiente. Diferentemente da reciclagem, processo de converter o velho em novo, o upcycling não utiliza fatores químicos, já que a matéria prima do produto descartado é mantida originalmente. Por conta disso, o seu uso poupa água e energia comparado a processos de reciclagem, uma vez que esse mesmo material irá ser idealizado de maneira diferente e criativa em novas peças, únicas e totalmente sustentáveis.
Além de ecologicamente correto, o upcycling está despontando como uma excelente oportunidade de negócios. A marca Meu Sapato Preto (@meusapatopreto), por exemplo, possui fabricação própria e utiliza restos de couro – que iriam pro lixo – como matéria prima. O couro é pintado de preto já que as sobras são de cores diversas, fazendo um excelente uso e se transformando em um produto novo.
A urgente transparência da comunicação da moda
Segundo a matéria do Midia Ninja: Por que a Moda precisa de uma revolução e de mais transparência em sua comunicação? depois da tragédia em 2011 do Edifício Rana Plaza, que deixou 1138 mortos em Bangladesh, surgiram iniciativas como o movimento global Fashion Revolution que, desde 2014, incentiva mais transparência, sustentabilidade e ética na indústria da moda. Com este tipo de pressão, grandes marcas estão revendo suas políticas de comunicação com o público a respeito de suas práticas sociais e ambientais com fornecedores e trabalhadores.
Foto: Australian Associated Press/reprodução
De acordo com dados de 2018 da Global Fashion Agenda, 64 marcas cujas etiquetas estavam nos destroços do edifício como a Zara, H&M e C&A, comprometeram-se a tornar sua produção o mais sustentável possível até 2020. Além disso, também prometeram divulgar a lista de fábricas, divulgar a rastreabilidade das roupas, aplacar as questões relacionadas ao dumping social fashion (a precarização do trabalho com o objetivo de reduzir custos e aumentar a competitividade no mercado) e reduzir os impactos ambientais conforme o Índice de Transparência da Moda de 2017, produzido pelo Fashion Revolution, em parceria com um comitê pro bono de especialistas do setor.
Conforme a matéria do Mídia Ninja, o Índice de Transparência da Moda afirma que as 100 maiores marcas e revendedores globais de moda têm o faturamento anual de pelo menos US$ 1,2 bilhão e propõe uma classificação de acordo com a quantidade de informações que compartilham sobre governança, rastreabilidade, política de comunicação e de incentivo à organização sindical. A proposta é que as marcas sejam transparentes sobre suas políticas e procedimentos, além de focar nos resultados dos esforços para melhorar os direitos humanos e os impactos ambientais.
Foto: Getty Images/reprodução
Ou seja, as marcas devem oferecer aos seus consumidores as seguintes informações: quem faz as peças? quais as políticas sociais e ambientais das marcas? quais são os problemas que a marca prioriza? quais as metas futuras para melhorar o impacto social e ambiental? Para que a comunicação transparente possa existir, é necessário que as informações estejam disponibilizadas claramente aos consumidores, além de conceder os progressos por via pública, para que, com dados atualizados anualmente, saber se as políticas e os procedimentos das marcas são de fato eficazes e se realmente trazem melhorias para quem fabrica as roupas.
Já a segunda constatação apontada pelo relatório é que ainda há muitas informações irrefutáveis sobre os procedimentos da indústria da moda que permanecem escondidos quando se trata sobre o impacto palpável das marcas na vida dos trabalhadores da cadeia de suprimentos e no meio ambiente. Cabe a imprensa investigar e publicar informações detalhadas sobre as atividades ocultas na indústria fashion, denunciando toda forma de violação aos princípios expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, consoante o inciso I do artigo 6º do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros. E, assim, contribuir para formar cidadãos e consumidores cada vez mais conscientes para exigirem de marcas e de governantes responsabilidades e soluções para os problemas graves da indústria da moda.
Foto: Casillas/REX Shutterstock/reprodução
Desde 2013, o aplicativo Moda Livre (disponível em iOS e Android) desenvolvido pelo Repórter Brasil em parceria com o Ministério do Trabalho, avalia as medidas praticadas por marcas e varejistas de roupa para monitorar as condições de serviço de seus fornecedores, a fim de combater o trabalho escravo contemporâneo. Ele atua como uma ferramenta tecnológica que vem contribuindo para a cultura do consumo de moda consciente no Brasil. Através das divulgações públicas de suas avaliações, apesar dos obstáculos de boa parte das empresas do setor, a exemplo das 100 marcas mundiais do fast fashion selecionadas para serem analisadas pelo Índice de Transparência da Moda, 52 não responderam ao questionário ou negaram a oportunidade de darem informações de interesse público solicitadas.
É por esse motivo que a cobertura jornalística crítica em relação à moda sustentável e consciente, além da transparência na comunicação institucional das marcas, deve ser colocada em prática pelas editorias. Para que, por consequência, os consumidores conscientizem-se sobre o verdadeiro custo social e ambiental das roupas, a fim de urgentemente revolucionar a moda para melhor, diante do que ela tem sido para os habitantes e o planeta.
Marina Melo (20) tem dificuldade para encontrar roupas que realmente goste, se sinta bem e combine com o estilo pessoal, além das peças não ficarem com o caimento perfeito e, muitas vezes, acabar recorrendo às grandes lojas, onde encontra maior variedade. “Me atentei a quem produz minhas roupas depois de saber sobre os escândalos com trabalhadores escravos em Bangladesh, principalmente nas lojas de departamento que são mais acessíveis que, na maioria das vezes, acabo recorrendo porque, infelizmente, meu orçamento não permite gastar 200 ou 300 reais em uma calça”, confessa. “O aplicativo Moda Livre me ajuda bastante com as avaliações e listas que disponibiliza sobre as principais lojas, avaliando-as em vários quesitos como trabalho escravo, lixo têxtil e material utilizado. Sempre acesso o aplicativo e tento ver a loja de departamento mais “ok” pra comprar”, conta.
De acordo com André Carvalhal, no livro Moda com Propósito, as marcas que quiserem garantir seu lugar no mundo terão que trilhar o caminho da iluminação, realizando ações com propósito. “Assim como nós, cada uma deverá encontrar sua vocação e entender como pode deixar um novo legado para o planeta. Esse é o novo passo na personificação construção do lado humano das marcas”, diz. “No velho mundo, o estilo de vida era o maior ponto de tração entre pessoas e marcas Daqui para a frente, será substituído cada vez mais pela afinidade entre causas, valores e crenças”, afirma.
A campanha Quem Fez Minhas Roupas do Fashion Revolution surgiu para aumentar a conscientização sobre o verdadeiro custo da moda e seu impacto no mundo, em todas as fases do processo de produção e consumo. Realizado inicialmente no dia 24 de abril, o Fashion Revolution Day ganhou força e hoje tornou-se a Fashion Revolution Week, que conta com atividades promovidas por núcleos voluntários, em mais de 100 países, inclusive no Brasil.
Foto: Fashion Revolution Berlin/reprodução
Mariana Monteiro (31), representante da Fashion Revolution em Pernambuco, afirma que a campanha é fundamental por dar visibilidade aos processos e aos trabalhadores por trás da indústria da moda, além de conscientizá-los. “O Fashion Revolution é um movimento que busca transformar positivamente a indústria da moda. A principal pauta é a da transparência, porque, através dela, conseguimos dados para monitorar as práticas e cobrar salários justos para os trabalhadores e definir processos menos poluentes”, declara.
Clique aqui para saber sobre o índice de transparência da moda do Fashion Revolution e entender o posicionamento de 30 grandes marcas do varejo nacional, ou seja, de como estão estão divulgando em relação a lista de fornecedores, cadeia de produção, práticas sustentáveis, políticas de equalidade e diversidade de gênero, entre outros.











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