Interesses econômicos versus direitos humanos

Segundo dados de 2018 da pesquisa The Global Slavery Index , a indústria têxtil é a que mais explora trabalhadores em situação análoga à escravidão no mundo e, por ser  muito dependente da mão de obra e tendo nela o maior custo para as grandes empresas, muitas delas tendem a não pagar os direitos trabalhistas.

O dumping social fashion é o termo dado à precarização do trabalho, que tem como objetivo reduzir custos e aumentar a competitividade no mercado que empresas de moda brasileiras correm riscos de serem mais fiscalizadas pelos consumidores e pelo poder público.

Diante disso, há empresas que consideram o trabalho em condição degradante e expõe a vida dos trabalhadores a riscos extremos. Uma matéria publicada pelo Repórter Brasil, em dezembro de 2012, reuniu as principais denúncias de escravidão dentro da indústria da moda no país. Algumas das maiores marcas de roupas brasileiras ou estrangeiras com sede no Brasil como Animale, M. Office, Gregory, Atmosfera, Le Lis Blanc, Bo.Bô, As Marias, Pernambucanas, Zara, Renner e outras foram flagradas ao explorar o trabalho escravo contemporâneo em pequenas oficinas terceirizadas, a maioria com funcionários imigrantes. Jornadas exaustivas de costureiros em condições degradantes que moravam e viviam no mesmo local de trabalho e eram proibidos de sair deles, cobrança e desconto irregular de dívidas dos salários, instalações elétricas com risco de incêndio, condições análogas à escravidão e até tráfico de pessoas foram situações comuns encontradas nas fábricas de roupas. A maioria dos costureiros foram resgatados em ações de fiscalização, as marcas receberam ameaças da Justiça para bloquear a produção e o Ministério do Trabalho autuou multas por infração.

Em Pernambuco, o município de Toritama, no Agreste do Estado, é um polo têxtil que se intitula “a capital do jeans”. O documentário do cineasta Marcelo Gomes, ‘Estou me Guardando para Quando o Carnaval Chegar’, mostra os trabalhadores submetidos às jornadas exaustivas de 14 horas por dia e que só param de trabalhar no Carnaval. São os escravos da moda. As fábricas de pequeno, médio e grande porte, construídas em suas casas, são chamadas de facções. Na maioria das vezes, os trabalhadores não possuem carteira assinada e recebem de acordo com o que é produzido. Ou seja, se pararem, não ganha dinheiro. “O que me interessava era ouvir os desejos e os sonhos dessas pessoas que se apegam à ideia de autonomia, de ser o próprio patrão, sem perceber que estão sendo escravizadas por elas mesmas. […] Toritama é uma China com carnaval no meio”, disse Marcelo Gomes em entrevista ao jornal O Globo.

De acordo com a advogada especialista em Direitos Humanos, Marianne Pazos, é muito importante que as marcas posicionem-se como apoiadora das causas de direitos humanos. “Quando elas fazem isso, automaticamente dizem aos consumidores que trata os funcionários de forma humanitária e que possuem consciência social”, afirma. “Além disso, as marcas não devem apoiar o desmatamento, que reflete também na condição de vida de determinados grupos socialmente vulnerabilizados, como, por exemplo, os povos indígenas”, complementa.

Segundo a membro colaboradora da Comissão de Direito da Moda da OAB/PE, Maria Gabriella Mendes, as responsabilidades primordiais que as empresas têm com os empregados são: assinar a carteira de trabalho e atentar para os registros de formalização do vínculo empregatício, pois nela consta data de admissão, o cargo/função, remuneração, horário e  assinatura do representante da empresa. Deve ser feita dentro de um prazo de 48h, sob pena de multa (meio salário mínimo); garantir o pagamento do salário dentro do limite estabelecido com o empregador, não podendo receber valor menor do que o que consta no contrato.

Além destes, assegurar a composição da remuneração, isto é, não limitar-se apenas ao salário fixado na carteira, sendo oferecidos vale-transporte, vale-alimentação (opcional), FGTS, INSS; e, por fim, oferecer, se necessário, equipamento de proteção individual (dependendo da profissão) nos casos em que haja risco à saúde ou à integridade.

A Consolidação das Leis Trabalhistas serve para proteger e garantir ao trabalhador alguns dos principais direitos. Caso o do empregado esteja sendo violado, é extremamente importante recorrer à Justiça do Trabalho através de uma reclamação que pode ser feita por um advogado ou pelo sindicato da categoria. “Identificamos um trabalho análogo à escravidão quando envolve restrições à liberdade do trabalhador, quando são detectadas uma jornada exaustiva sem receber pagamento ou receber um valor muito abaixo para suas necessidades básicas, quando houver restrição de locomoção, servidão por dívidas e/ou condições degradantes. Essas relações de trabalho são ilegais”, explica Maria Gabriella. A pena estabelecida para quem submete alguém a trabalho análogo à escravidão é  de  reclusão, de 5 a 10 anos e multa.

A Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae) trabalha na prevenção e na reinserção social dos trabalhadores escravizados. A Conatrae é formada por pessoas que atuam no governo federal, poder público, empregadores e trabalhadores que buscam acompanhar as ações constantes do Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, com projetos de lei no Congresso Nacional e, também, propondo pesquisas e estudos na área.

Os principais órgãos que acolhem a denúncia de uma empresa que contrapõe direitos humanos e trabalhistas, seja uma marca de moda ou empresa de outro ramo, são: o Ministério do Trabalho e Emprego, o Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho e o Disque 100 (Direitos Humanos).

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