Um hábito que remonta aos séculos 19 e 20 volta à contemporaneidade: ir à costureira. Com a globalização e a produção em larga escala, fazer roupas por encomenda passou a ser raridade. Contudo, esse hábito vem sendo readquirido entre as pessoas que valorizam sustentabilidade e consumo consciente e são várias as vantagens: variedade na escolha de tecidos, peças de melhor qualidade e que, consequentemente, durarão mais tempo, roupas feitas de acordo com as medidas do corpo, produzidas exatamente do tamanho e do modelo que o cliente deseja. As vantagens são as mesmas dos séculos anteriores mas, hoje, a diferença é que se antes as costureiras apenas copiavam os modelos das revistas, hoje, elas criam peças exclusivas e atuam também como consultoras de estilo.
Além de ter uma roupa exclusiva, a costura sob encomenda permite ao consumidor/cliente conhecer quem produziu a roupa, o tecido utilizado e, muitas vezes, a origem dele. Os ateliês de costura sob medida ainda realizam ajustes e consertos em peças já prontas, uma forma de utilizar ainda mais uma determinada peça.
Atualmente também é possível pedir tecidos sem sair de casa. Durante a pandemia do novo coronavírus, muitas lojas sentiram a necessidade da presença digital para continuar os negócios. Outra opção é o Banco de Tecido, onde as pessoas podem depositar tecidos disponibilizados em prateleiras ou estoques, podendo fazer até trocas por outros. A iniciativa dá vida nova aos que estavam esquecidos no fundo das gavetas, afinal, a matéria prima mais sustentável é aquela que já existe. Com isso, a vida útil do tecido aumenta e o consumo dos recursos naturais do planeta diminui.
Na pandemia, a costura de máscaras foi a solução
Em 2020, por causa da pandemia da Covid-19, muitas costureiras aproveitaram o momento para obter uma graninha extra, como é o caso de Mariza Tavares (68), costureira há 37. Hoje, aposentada, ela costura apenas para si mesma e para a família.
Quando tinha 17 anos, aprendeu a costurar com a mãe e irmã, mas foi com 25 que Mariza passou a dedicar-se mais como forma de complementar a renda logo após o casamento. Pouco tempo depois, além das roupas que fazia por encomenda, começou a trabalhar na Secretaria de Ação Social da Prefeitura de Vitória de Santo Antão, ensinando corte, costura e artesanato e, também, fazendo fardas para garis, enfermeiros, médicos etc.

“Com as aposentadorias, minha e do meu marido, não conseguimos suprir tudo. Quando começou a pandemia, resolvi fazer máscaras de tecido para aumentar a renda e deu certo. Acho que fui uma das primeiras pessoas que comecei costurando as máscaras em Vitória de Santo Antão”.
Mariza passou a receber grandes encomendas. Fez 120 máscaras para uma rede de farmácias, depois fez mais 30 para um depósito de gás. Em seguida, uma faculdade lhe encomendou 70, outra 50, e assim por diante. “Comecei a negar algumas encomendas de tanto que surgiram. Trabalhava até meia noite e acordava às 5h para dar conta dos pedidos. Fiquei bem atarefada. À tarde e à noite fazia as entregas. O dinheiro veio em bom tempo, estava precisando muito”, afirma Mariza. “Depois a demanda diminuiu porque muita gente foi produzindo e, também, apareceram muitas nos supermercados, nas paradas de ônibus etc. Mas, mesmo assim, sempre aparece gente para comprar”, complementa.
Desde agosto de 2020, o marido precisou ir todos os dias ao hospital e ela sempre o acompanha. Com isso, não perde tempo e aproveita para vender as máscaras lá também. “Vou com a que faço, sou a manequim, também mostro os três modelos que faço, explico da minha maneira, a pessoa gosta e acabo vendendo”, disse Mariza. “Chego no estacionamento e, na recepção do hospital, me apresento e digo que estou vendendo máscaras de tecido. As pessoas pedem para ver e acabam comprando. É uma ajuda de custo com as passagens do ônibus que o meu marido e eu precisamos pegar todos os dias para ir ao hospital”, declara.
Hoje, Mariza tem aumentado a renda com as máscaras, mas seu trabalho como costureira faz parte da vida e da histórias de muitas famílias, como as de Maria de Deus e de Sebastiana de Rosa, que fizeram roupas com ela por mais de 20 anos.
Costureiras e clientes: uma relação além das roupas
No vídeo abaixo, confira a relação das irmãs, Sueneide Farias e Silvaneide Franco, com a costureira Zita:
Nova geração de costureiras
O ofício da costura, passado de geração em geração e anteriormente como extensão das tarefas do lar, virou profissão por dar autonomia e independência financeira para as mulheres. Com a Revolução industrial, a partir do século 18, as mulheres passaram a ocupar fábricas e houve uma produção têxtil desenfreada de peças de baixa qualidade praticamente descartáveis e que não levaram em consideração o impacto ambiental. Em contrapartida, hoje temos o retorno à produção artesanal e em pequena escala, chamada de slow fashion, ou seja, moda lenta. O mercado tem crescido e sensibilizado os consumidores em relação à poluição do planeta e ao consumo consciente.
Clara Borba (26), é formada em Design pela UFPE e atualmente estuda na pós-graduação em Modelagem e Criação no Senac-PE. Interessada, começou a “mexer na máquina” desde os 15 anos, sem muita técnica, com a ajuda da avó. “Aprendi sozinha, com a prática, através de tentativas e erros, buscando livros de corte e costura e pessoas próximas que podiam me ajudar com algum projeto no momento. Tornei da costura um hábito e, depois, uma profissão”, disse.

Foto: Saulo do Monte/reprodução
Em 2018, no processo de desenvolvimento do Trabalho de Conclusão de Curso da graduação em Design, Clara iniciou com o ateliê @estudiovesterecife. No mesmo ano, criou a marca de moda chamada Veste Casulo que, na idealização, seria um membro de uma grande árvore criativa onde a base seria o estúdio de criação de tudo, o Estúdio Veste. Em julho de 2018, logo após a defesa do TCC, Clara estava desempregada e com um esboço de ateliê em casa. Foi quando resolveu colocar uma plaquinha simples na porta com os dizeres “consertam-se roupas”.
O crescimento das atividades deu-se principalmente com a rede de apoio dos amigos que confiaram no trabalho dela, ainda inicial, e começaram a encomendar peças sob medida. “Hoje, esse é o meu carro-chefe. No estúdio, que sempre teve a intenção de ser uma base criativa, desenvolvo trabalhos de upcycling, customização, bordado e, muito em breve, a primeira coleção da Veste Casulo”, expressa.

Clara trabalha a partir do meio dia, de segunda à sexta. Muitos clientes vão até o espaço, que funciona na sua casa, após o horário convencional de trabalho, então, o movimento maior é a partir das 18h e acaba encerrando tarde da noite. Além disso, quase toda semana ela vai até o centro da cidade. “Ajudo os clientes com a compra de materiais, pois conheço as lojas com preços mais em conta e os tecidos adequados para a produção”, conta.
Já com a cliente, Clara segue um passo a passo: primeiro encontra-se para tirar as medidas, depois, caso não tenham deixado o tecido, ela vai à loja comprá-lo e cobra uma taxa por isso. Com todos os materiais em mãos, inicia o processo de produção (modelagem, corte e costura) e, passados alguns dias, o cliente retorna ao ateliê, prova a peça. Clara faz os ajustes necessários e o cliente já sai com a roupa pronta. “Tento ser o mais produtiva possível nesse processo, pois o tempo de produção é fundamental”, afirma.
Em março de 2020, teve que parar a produção por conta da pandemia mas, já em julho foi surpreendida por muitos pedidos de roupas sob medida, vendo-se impulsionada a retornar ao trabalho. “Acredito que o consumidor que foi apresentado para esse ‘novo’ método de consumo de roupas se sente apegado ao serviço prestado”, disse. “O cliente tem a experiência e o desejo de ter uma peça muito estimada e feita exclusivamente para ele e com o relacionamento estreito que criamos, chegamos a um resultado melhor que a ideia inicial”, expressa.
Clara também acredita que esse tipo de consumidor nunca vai deixar de procurar as costureiras, pois tem noção de que a troca do fast fashion pelo sob medida é justa e tem uma série de benefícios, além de não fortalecer uma cadeia produtiva tão desgastada e sofrida, fortalece o produtor local e ganha um espaço para ser ouvido. “Tenho muitos clientes fixos que sempre me procuram, durante todo o ano, para todas as ocasiões”, relata.
No Estúdio Veste, Clara afirma que evita o desperdício. Ela dá um novo destino aos retalhos que podem ser reaproveitados, sejam como remendo ou até como máscara. Já os que não servem mesmo, são doados para uma empresa de produção de sacos de luta, servindo de enchimento. Com os clientes, ela tenta educar sobre o reuso. “Às vezes eles não sabem que podemos modificar ou mudar uma peça que não gostam mais; depois de conversarmos, sempre recebo muitas peças para transformar”, disse. “Com isso, evitamos que uma peça que podia até mesmo ser doada, torne-se lixo por desconhecimento”, complementa.






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