Imprensa Feminina

do século XIX atuou na emancipação das mulheres

Alguns títulos de jornais femininos da época. Arte: João Bosco

“Quando as primeiras mulheres tiveram acesso ao letramento, imediatamente se apoderaram da leitura, que por sua vez as levou à escrita e à crítica. E independente de serem poetisas ficcionistas, jornalistas ou professoras, a leitura lhes deu consciência do estatuto de exceção que ocupavam no universo de mulheres analfabetas, da condição subalterna a que o sexo estava submetido, e propiciou o surgimento de escritos reflexivos e engajados, tal a denúncia e o tom reinvidicatório que muitos deles ainda hoje contêm”, situa Constância Lima Duarte, doutora em Teoria Literária, professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pesquisadora da relação entre a literatura e a imprensa feminina.

A participação das mulheres, ainda no século XIX, em periódicos, jornais e revistas foi primordial para a conquista do espaço literário. Afinal, muitas escritoras iniciaram na educação e no jornalismo, antes de partir, efetivamente, para os livros.

“Mais do que os livros, foram os jornais e as revistas os primeiros e principais veículos da produção letrada feminina, que desde o início se configuraram em espaços de aglutinação, divulgação e resistência. A maioria das escritoras publicou antes em suas páginas para depois se aventurar em livros. Como costumava acontecer, é quase certo que o caráter engajado de muitos dos textos destinados a um público mais amplo tenha contribuído para a posterior exclusão de certas autoras da história literária nacional”, continua a pesquisadora.

Majoritariamente compostas por visões machistas, as produções jornalísticas e literárias eram produzidas por e para homens. No entanto, essa estrutura, por volta dos meados do século XIX, começou a exigir mudanças. Mulheres queriam se ler e se reconhecer, o que não deixou outra alternativa: os homens passaram a escrever textos mais femininos; até o período em que as próprias assumiram a autoria dos textos e das redações de jornais.

A pesquisa de Duarte resultou na publicação do livro Imprensa feminina e feminista no Brasil: Século XIX (2016), em que ressalta os 143 jornais e revistas que se digiriam ao público feminino, e que estavam em ciruclação no Brasil durante o século XIX. Além disso, atua como guia que preenche as lacunas, quando o assunto é a história da mulher brasileira.

A diferenciação dos termos utilizados no título fornece a compreensão do entendimento jornalístico da época. “A imprensa feminina era destinada às mulheres, às leitoras. Muitas vezes, feita por homens. Muitos periódicos eram de homens para mulheres, mas era feminino, porque o objeto, o trato e os assuntos eram para moças. A imprensa feminista eu considero os períodicos que tem um olhar de reinvidicação, de denúncia da opressão feminina e do lugar ocupado pela mulher”, explica a autora.

Os estudos de Duarte revelam que, com o avanço da segunda onda feminista, em meados de 1870, tem-se um alto número de jornais e revistas feministas, considerando a situação de letramento feminino da época. “Todos estes periódicos foram importantes instrumentos na conscientização das mulheres, pois divulgavam o que ocorria nos outros países, faziam circular os textos entre si, davam notícias de livros, da abertura de escolas, e apoiavam as iniciativas das companheiras. Criaram, concretamente, uma legítima rede de apoio mútuo e de intercâmbio intelectual”, expõe ela, no artigo Feminismo e literatura no Brasil, publicado em 2003.

Dessa forma, a autora acredita que esse número é apenas o início. “É a ponta do iceberg, pois outros devem ter também existido e se perderam por falta de conservação”, elucida Constância Lima Duarte.

Foto: Reprodução/Livro Imprensa feminina e feminista no Brasil

O Espelho Diamantino (1827) foi o primeiro jornal criado para o público feminino. Seu fundador foi o jornalista francês Pierre Plancher. No ano seguinte ao do lançamento, foi publicado o seu último volume. A partir daí, mais jornais que falavam com e para as mulheres começaram a surgir no país, e novos caminhos foram abertos no mundo editorial e jornalístico.

“Uma das razões para a criação dos periódicos de mulheres no século XIX partiu da necessidade de conquistarem direitos. Em primeiro lugar, o direito à educação; em segundo, o direito à profissão e, bem mais tarde, o direito ao voto. Quando falamos dos periódicos do século XIX, há que se destacar, pois, essas grandes linhas de luta”, aponta a escritora e pesquisadora Zahidé Muzart.

A cidade do Rio de Janeiro dispara com a maior quantidade de periódicos publicados no período: 45. Em segundo lugar, se encontra o Recife, com 25, sendo a primeira publicação datada em 1831, o Espelho das Brasileiras.

São Paulo está na terceira posição, com 14; Salvador, com 9; e Fortaleza, com 4. No tópico de sediar os jornais nos estados, Minas Gerais lidera com 7 cidades; em seguida vem Bahia e, logo depois, Rio Grande do Sul, ambos com 4.

“Se era comum os jornais sucumbirem após o segundo ou terceiro ano de vida, vencidos pelas dificuldades inerentes ao empreendimento, outros – muitos outros – tiveram vida longa. Muitos dentre os editados por mulheres foram usados para que elas se posicionassem politicamente a favor ou contra a monarquia, a Revolução Farroupilha, a Constituinte, a abolição ou a República. Ou ainda para divulgarem o ideário feminista, contestar o mandonismo patriarcal e o comportamento domesticado das mulheres. Estavam empenhadas em conscientizar as leitoras de seus direitos à educação, à propriedade, ao voto e ao trabalho”, estabelece Constância Lima Duarte.

Retomar esses periódicos, jornais e revistas é repensar como era feita a imprensa feminina. É possível notar os avanços que protagonizam a escuta e a escrita das mulheres; no entanto, a luta pela “dicção literária própria” continua, como enfatiza Duarte.

Foto: Reprodução/Livro Imprensa feminina e feminista no Brasil

Jornais Femininos

Publicados no Recife do Século XIX

Veja alguns dos títulos publicados na cidade ao longo de 60 anos, de 1831 a 1890

Espelho das Brasileiras, surgiu em 1º de fevereiro de 1831

Lançado no Diario de Pernambuco, teve como responsável Adolphe Emile de Bois-Garin, jornalista francês, residente em Pernambuco. Tinha o propósito de divulgar a necessidade de conscientizar e informar às leitoras sobre a cidadania feminina.

Jornal de Variedade, criado em 14 de junho de 1835

Tem-se grande ausência de informações das edições, o que impede o conhecimento do posicionamento editorial. Entretanto, sabe-se que as seções variavam entre “Prospecto”, “Modas”, “A Sonâmbula” e “Variedades”.

Relator de Novelas, originado em 29 de junho de 1837

Assim como ocorre com outros periódicos novecentistas, não foram encontrados outros registros editoriais do jornal destinado à informação das novelas.

Espelho das Bellas, surgiu em 16 de dezembro de 1841

Dedicava-se a divulgar contos, novelas, charadas e modas. Não abordava temas sociais e políticos, pelo contrário, enfatizava quais seriam os comportamentos adequados para as mulheres. Ainda no primeiro ano de lançamento, conquistou 41 assinaturas femininas.

O Brinco das Damas, início em 26 de junho de 1849

O redator-responsável era o acadêmico Joaquim Pires Machado Portela. Não possuía seções fixas nem ilustrações, e os textos eram publicados sem assinatura.

O Recreio das Bellas, criado em 8 de setembro de 1849

Não existem exemplares do jornal, porém, tem-se a informação de que foram 23 edições, com atividade encerrada em 15 de fevereiro de 1850.

A Grinalda, surgiu em dezembro de 1849

O seu lançamento foi divulgado no Diario de Pernambuco, mas não estendeu o funcionamento e teve fim após a quinta edição.

O Jasmim, iniciado em 22 de junho de 1850

Não são encontradas grandes informações sobre a publicação. O que se sabe é o custo das assinaturas que estava em 1.000 réis anualmente.

A Esmeralda, começou em 7 de setembro de 1850

As informações sobre este jornal foram perdidas com o tempo. Sua impressão era realizada na Tipografia de Manoel Figueroa de Faria e vendido a 40 réis, o exemplar.

O Jardim das Damas, fundado em janeiro de 1852

Dirigido por Felipe Neri Colaço, foi o primeiro jornal ilustrado de Pernambuco. Tratava de temas educacionais e morais, além de trazer poesias e receitas.

A Bonina, surgiu em 17 de junho de 1854

Impresso na Gráfica de Manoel Figueroa de Faria, era publicado semanalmente, com a edição de Pedro Calazans.

A Camelia, criado em 7 de setembro de 1854

Foi dirigido por Eugênio Augusto do Couto Belmonte e impresso na Tipografia Federativa Republicana. Publicava textos literários e anedotas.

Estrella das Bellas, com início em 10 de julho de 1856

Criado por Manuel Braz Odorico Pestana, também era impresso na Tipografia Republicana Federativa Universal. Era visto como “defensor das amáveis pernambucanas”. Não se tem registro das edições.

O Monitor das Familias, começou a circular em 02 de dezembro de 1859

Dirigido por Felipe Nery Colaço, tinha um tom moralista e patriarcal. As edições giravam em torno de conselhos domésticos, receitas e musicais.

Jornal das Damas, em 1862

Reproduzia publicações de outros periódicos e a assinatura trimestral custava 2.000 réis. Apenas a sexta edição foi encontrada e não se tem notícias da continuidade das atividades.

A Marqueza do Norte, surgiu em 21 de dezembro de 1866

É considerado um “belo exemplo da diversidade da imprensa feminina brasileira”, por Constância Lima Duarte. Tem-se indícios de que a responsável tenha sido uma mulher, embora sua identidade seja desconhecida. O jornal era contrário à monarquia e defendia os direitos femininos.

A Madressilva, criado em 01 de outubro de 1869

Foi dirigido por Aprígio Justiniano da Silva Guimarães e possuía mulheres como colaboradoras. O jornal era grande apoiador da literatura, mas faltam exemplares sobre as edições publicadas.

A Mulher, início em 07 de maio de 1875

Abordava temas femininos, “sem ser feminista”. Não se tem registro das identidades das redatoras e das edições lançadas.

O Myosotis, fundado em 25 de julho de 1875

A redatora e proprietária era Maria Heráclia de Azevedo. Tinha três correspondentes: Alfredo de Aquino Fonseca, do Rio de Janeiro; Ezequiel Freire, de São Paulo; e Avelino de Moraes, de Sergipe. O jornal contou, ainda, com colaborações de escritoras conhecidas, mas os exemplares são raros.

Phalena, surgiu em 20 de agosto de 1877

Era considerada uma “Revista Literária Ilustrada” e defendia o que o espaço doméstico era dedicado às mulheres. Também foram publicados contos e poemas de escritores da época.

O Beija-Flor, iniciado em 19 de junho de 1880

Era impresso na Tipografia Acadêmica e vendido a 40 réis, o exemplar. Todos os textos encontrados são sem assinatura.

A Mulher, em 1881

O primeiro lançamento aconteceu em Nova York, encabeçado por duas estudantes brasileiras: Maria Augusta Generosa Estrella e Josepha Agueda Felisbela Mercedes de Oliveira. O primeiro editorial revela o tom incisivo do jornal que defendia o direito das mulheres. Em 1883, a edição voltou ao Recife e teve a colaboração de escritoras pernambucanas.

O Beija-Flor, surgiu em 28 de janeiro de 1883

A circulação do jornal durou apenas um mês, mas publicou poesias e crônicas, e era vendido a 200 réis.

Ave Libertas, criado em 8 de abril de 1885

Era impresso na Tipografia Mercantil de Recife e defendia a causa abolicionista. Apesar do termo “feminismo” não aparecer em nenhum texto, pode-se considerar o tom feminista do periódico, que era liderado por mulheres da Sociedade Ave Libertas.

A Rosa, fundado em 18 de outubro de 1890

Dirigido por Pórcia Constância de Mello, criticava a educação superficial oferecida às meninas e denunciava a sobrecarga feminina.
Fonte: Livro Imprensa femininsta e feminista no Brasil: Século XIX (2016), de Constância Lima Duarte.