Cresci em uma aventura

Por Raissa Araújo Moura

Ser criança nos anos 2000 era quase sinônimo de não ter acesso à internet para se divertir e nem celulares ao nosso dispor. Brincávamos com outras crianças nas ruas, nos prédios e jogávamos jogos de tabuleiros, algumas vezes jogos de CD no computador. E ser criança, quando se é adulto, aparenta ser bobeira, afinal, os compromissos não parecem ter finalidades e nem consequências. Mas, qual criança nunca achou que aqueles atos eram os que mudariam suas vidas?

Desde que eu era bebê, a partir de 1999, todo verão eu passava em uma casa de praia, lá em Itapuama, no litoral sul de Pernambuco. Meu primeiro aniversário eu passei lá. As fotos me fazem lembrar a minha boneca da Mônica, que eu adorava, que ganhei de presente e abri no chão, rodeada de balões em comemoração ao meu dia. Lembro que passei muitos momentos lá: férias, o meu aniversário e o da minha irmã, carnavais… eram sempre bons momentos. Na verdade, nem sempre.

Uma das nossas idas à casa de praia virou um pesadelo para os meus pais. Não por mim, longe disso. Eu era um bebê que não tinha nem consciência de nada, mas por causa da minha babá. De repente, sem ninguém ver, ela desapareceu. Todos procuravam por ela e ninguém sabia do paradeiro. Pior ainda, ela desapareceu comigo! Um quase sequestro marcou meus primeiros tempos de vida. Ela passou a manhã e tarde inteira fora, todos da família e vizinhos desesperados, pensando o pior e ela tinha ido encontrar com o namorado. Pelo sossego dos meus pais, comigo estava tudo bem.

As minhas grandes memórias (lembradas ou que foram contadas) na praia começam aí. Todas as que vêm a seguir têm um lugar especial no meu coração, que treme como um terremoto sempre que lembro delas. Ainda hoje suspeito que seja a favorita dela, mainha me conta que eu acordava de manhãzinha e a primeira coisa que eu pedia era “azu”. Eu estava pedindo caju, do cajueiro que tinha em frente à casa que alugávamos, que, na minha visão, era enorme, grande como um baobá. Meus pijamas eram cheios de nódoa, porque eu comia como se não houvesse amanhã, igual uma formiga quando vê um doce, direto do pé. À medida que fui crescendo, passei a ter outros compromissos, obviamente sem deixar esse de lado, que carrego até hoje comigo.

Passei a brincar com minha irmã de lavar o carro de painho. Hoje em dia o que a gente mais queria era que esse tempo voltasse, só pra lavar de novo, era bom demais. Claro que a gente também aproveitava pra tomar um banho de mangueira, que mais parecia de cachoeira, porque éramos pequenas.

Mas, sem dúvida, o dia que mais me marcou, nessa casa, foi aquele em que fiquei presa no quarto. Eu dormia com a minha irmã, no quarto de cima, e a porta bateu. Quanto ela bateu, o trinco emperrou e não abriu mais. Eu, desesperada como se alguém tivesse morrido, chorava, pedindo ajuda aos meus pais, que também desesperados pediram ajuda a um caseiro da vizinhança. Quando o caseiro chegou, colocou uma escada na janela e começou a falar comigo. Eu, em um instante, fiquei boa. Ria, gargalhava, cantava que “estava na aventura”.

Talvez tudo que eu quisesse era atenção. Eu consegui, e como consegui! Todos pediam para eu ficar calma que tudo daria certo, eu somente dizia que aquele era o melhor dia da minha vida. Sem dúvidas, aquele dia me marcou de um jeito que eu lembro como se fosse hoje: eu pulando na cama, dizendo que estava na aventura e gargalhando e todos nervosos. Eu não mudaria nada.

Revivendo a história, agora através de fotos:

Meu reino por uma guloseima!

Por Raissa Araújo Moura

 

Cada comida nos marca de uma maneira, seja criando uma memória ruim, como queijo derretido, para mim, quanto criando memórias incríveis, como pastéis, salgadinhos e carne moída na bolacha. Bem, um universo de outras delícias também. Quando criança, eu costumava provar muitas comidas, aprovando a maioria e sempre pedindo mais. Os vários tipos eram liberados, tinha de fruta a biscoitos. Mas as mais queridas, que nunca esqueci, eram as que meus avós faziam, com muito carinho, amor e tempero, para me recepcionar nas suas casas.

São duas pessoas de família diferentes, mas que talvez, olhando em retrospectiva hoje, tenham uma semelhança muito grande em relação a mim: meus avós, que me conquistaram ainda mais… pelo estômago. Meu avô materno, quando eu era criança, costumava fazer uma carne moída divina, como nunca comi na vida. Algo realmente de outro mundo. Era uma carne com molho, e ele dizia para a gente colocar por cima de uma bolacha cream cracker. Parecia que eu estava flutuando. O gosto nunca esqueci e já tentei explicar para repetirem a receita, embora saiba que não é possível copiá-la. A carne era molhadinha, com um gosto único, de tomate, temperos e amor. Ah, o gosto do amor.

O amor também estava presente na casa na Iputinga. A minha avó paterna costumava preparar comidas incríveis sempre que ela sabia que teria a visita das netas: salgadinho, canudinho, pastel e, nas datas festivas, delícia de abacaxi. Lembro dos pasteizinhos de carne que ela fazia e escondia lá no armário para ninguém pegar. Quando eu e minha irmã chegávamos, ela abria a porta do paraíso para nós duas. Era crocante, doce e salgado, especial. Eu voltaria a comer carne só para poder ter, pela última vez, o pastelzinho preparado por ela. Confesso que já tentei copiar o salgadinho que ela fazia, mas isso é impossível! Era assado no ponto certo, com farinha, manteiga e queijo que transformavam aquela bolinha em um meteoro que explodia na boca e derretia sem esforço algum.

Dizem que avós têm receitas especiais. Eu posso afirmar. Vovó fazia também uma delícia de abacaxi esplêndida, que não sei se um dia provarei igual. Talvez ela nem seja tão diferente das outras delícias, mas saber que eu iria comer de sobremesa a delícia de abacaxi de vovó me animava para almoçar. Recentemente, descobri uma sorveteria que tem um sorvete de delícia que lembra muito a sobremesa que ela fazia. Posso dizer que foi uma chama dentro do meu coração, que se esquentou e acalmou com a nova descoberta afetiva. Ter um pedaço dos meus avós sempre vivo em mim me motiva a nunca esquecer dos gostos, formas e sensações que o amor em forma de comida me proporcionaram. Espero um dia sentir esses gostos de novo. Vai ter tempero de saudade.

Comendo a sobremesa que tanto esperava. Note que estou bem perto da tigela, pronta para repetir.