VIDA EM FAMÍLIA
O convívio com os parentes e as refeições compartilhadas
Por Raissa Araújo Moura
O professor, ator e diretor de teatro Emmanuel Matheus, que nasceu em 1991, rememora suas tradições familiares. “Lembro das idas para o Hotel Fazenda de Gravatá. Duas vezes ao ano, era certeza irmos. Eu sempre ficava ansioso por aquela viagem, por tudo que ela me proporcionava, entre todas as coisas possíveis de se ter em um fim de semana, que na época eu não tinha, como ar-condicionado no quarto, uma cama muito boa e piscina”, recorda com alegria.
Relembre
alguns
momentos marcantes da década de 90.
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Além disso, conta das tradições dominicais e festas anuais. “Todo domingo tinha um almoço especial. Sabia que comeríamos algo diferente do arroz, feijão e bife. As festas de fim de ano eram na casa da minha avó, por parte de pai, e da minha tia, por parte de mãe.”
O professor deu continuidade aos hábitos da família. “Hoje eu procuro sempre, nos domingos, comer algo diferente, um almoço especial. Sempre busco comer na mesa com todos reunidos. Minha mãe fazia isso sempre, era uma hora sagrada. Eu ainda visito minha família nas festas de fim de ano. Continuo fazendo isso porque é parte de mim e dos meus valores.” Ele diz também que, mesmo não contando fisicamente com algumas pessoas da família, está sempre pensando nela. “Esses momentos remetem à minha mãe, ao meu pai e de quando eu tinha todos perto.”
As viagens ao Hotel Fazenda foram deixadas de lado depois da morte de sua mãe, que também influenciou, junto com o amadurecer e o passar do tempo, a menor convivência com a família. “Depois que minha mãe faleceu, perdi um pouco do contato com a família, por conta do meu trabalho, do tempo e, principalmente, de fatores que fazem a gente perceber onde de fato é o nosso lugar”, disse.
Entretanto, o professor afirma que sente falta dos encontros familiares. “Ainda mantenho contato com todos, não sou brigado com ninguém, mas a convivência e a presença não são mais como antes. Hoje em dia é apenas nas festas de fim de ano. Quando tiver meus filhos, quero proporcionar essas tradições de união familiar. Minha mãe me fez entender o quanto era importante ter esses momentos, essas tradições e esse crescimento perto dos irmãos, primos, tios. Para mim, essa vivência foi significativa demais.”

Lendo livros juntos
Das memórias de infância, a advogada Laura Prado*, de 30 anos, conta como a família influenciava o hábito da leitura. “A tradição em família era assistir a filmes e ir à livraria comprar livros. A gente adorava comprar livros. Eu e minha irmã combinávamos de comprar as coleções; então, se tinham quatro livros na coleção, ela comprava dois e eu dois. Isso me marcou muito. Esse hábito continua, não a ida à livraria, mas a leitura”, pontua.
“Quando comparo com hoje em dia, eu vejo a necessidade de fazer a mesma programação com a minha filha de 3 anos. Querer repetir com ela deu mais sentido ainda a esse costume que eu já tinha”, disse a advogada. “Hoje em dia eu ainda tenho livros na casa dos meus pais, não trouxe tudo para mim e guardei meus livros para minha filha ler um dia. Por isso é marcante e importante.”
Nas datas comemorativas e nas férias, Laura e sua família costumavam viajar à praia de São José da Coroa Grande, no litoral sul de Pernambuco. “Semana Santa, São João, Natal e Ano Novo, sempre passei com a minha família. São João, Natal e Ano Novo, a gente passava na casa de praia da gente. Semana Santa, a gente não tinha tanta tradição. Continuo passando as comemorações mais em família. Acho melhor, a pessoa fica mais à vontade e a união é muito importante. Essas tradições influenciaram muito em como sou hoje em dia. A questão da união em família influencia muito na personalidade e no caráter da pessoa e na educação”, acredita.

Joana*, filha de Laura, já foi apresentada aos livros que herdou. A mãe está introduzindo aos poucos a menininha no mundo da leitura (Fotos: Acervo pessoal)
Laura sentada sob um quiosque instalado em sua casa (Fotos: Acervo pessoal)
Laura com sua irmã no portão de casa. “Os terrenos da frente não eram construídos, então eu andava de bicicleta neles”
As irmãs com o avô no chuveirão, após um dia de sol
As meninas posicionadas em frente à fogueira que seu pai mandava fazer no São João
Praia, viagens, férias!
Dez anos separam os nascimentos de Laura Prado e Beatriz Magnotti, 20 anos, que é estudante e assistente administrativa, nascida no Rio de Janeiro. Mas, assim como Laura, ela tem na praia suas memórias mais vivas da infância, principalmente as idas frequentes nos fins de semana e nas férias. “A gente ia sempre para praia ou para algum clube que meus pais eram sócios. Uma das coisas que eu mais gostava nessas programações, por exemplo, quando a gente ia para praia, era que toda vez a gente passava em uma moça que vendia sacolé. Era a coisa mais incrível do mundo. Uma das lembranças mais fortes que eu tenho é o gosto desse sacolé”, enaltece.

Beatriz tirando um cochilo, aos dois anos, antes de chegar ao destino final: a praia (Foto: Arquivo pessoal)
Beatriz posando de biquíni próxima do mar (Foto: Acervo pessoal)
Mas, mesmo morando em Pernambuco há 13 anos e tendo uma ligação forte com o estado, Beatriz não costumava comemorar a festa junina do jeito que os nordestinos costumam: com muita comida de milho, todas variadas. “No São João, não tinha costume de fazer um monte de comida que era de São João. Eram mais as comemorações no colégio. Hoje em dia, eu não faço questão de comemorar o São João, não consigo decorar e nem saber a diferença entre as comidas de milho”, confessa.
Situação diferente de Letícia Melo, estudante de Ciências Contábeis de 20 anos, que adora comemorar as festas de São João, preferencialmente em Salgueiro, cidade de origem do seu pai, ou Petrolina, onde morava com sua família. Ela sabe bem a quem atribuir esse apreço pelas comemorações do Ciclo Junino, que tem o santo que batizou Jesus como protagonista, junto com Santo Antônio e São Pedro.
“Toda a influência dos meus pais, em curtir essa festa, comer comidas típicas, nos divertir, seja com a família, seja com os amigos, ouvindo as músicas e tudo mais, fez com que eu criasse um apreço pela data. Realmente é uma época que gosto demais até hoje!”, comenta.
O Natal é outra festa que a estudante não deixa passar em branco em relação à comemoração: assim como Emmanuel, sempre comemora na casa da tia. “Minha família por parte de mãe criou uma tradição muito forte de passarmos todos juntos na casa de uma tia. E realmente essa eu não troco! É quase que o momento mais esperado do ano por toda a família”, diz, com apreço. Além do Natal com a família da mãe, Letícia e a família costumavam comemorar o Ano Novo com a família do pai, em Salgueiro, algo que se mantém há alguns anos.

Em uma das comemorações de Ano Novo em Salgueiro, Letícia (ao centro) no colo da tia, Camila, junto com a mãe (à esquerda), a madrinha (à direita) e primos (Foto: Acervo pessoal)
Férias era uma vez por ano, mas, final de semana… ah, isso tinha sempre! E a família sabia aproveitar essas pequenas pausas. “Sempre foram rotineiras as saídas ao domingo para almoçar! Não tínhamos parentes em Petrolina, então, quando não era sair para almoçar ou jantar, ir ao shopping, era ir para a casa de algum amigo dos meus pais. Essas saídas aos finais de semana sempre foram momentos onde a gente aproveitava a companhia uns dos outros e, além disso, desfrutava de algo que todos gostam muito, principalmente eu e meu pai, que é ter experiências gastronômicas e fugir um pouquinho do comum do dia a dia”, destaca.
Saídas em família também são comuns para Larissa Cerqueira, de 10 anos, que costuma ir à casa dos avós e visitar os parentes durante os dias livres do fim de semana. “Eu gosto de passear, de ir ao shopping. Às vezes eu vou para a casa dos meus avós e dos meus primos, mas muitas vezes eles também vêm aqui para casa. É divertido, porque reúne a família”, conta, lembrando que, antes da pandemia, também fazia passeios familiares no centro da cidade.
Agora sabemos alguns dos momentos inesquecíveis da infância de Letícia e Beatriz. Mas você se lembra dos fatos que marcaram o país e a cena de entretenimento na década de 2000?
Larissa e sua mãe, Brena, em um domingo no Marco Zero da cidade, antes da pandemia (Foto: Acervo pessoal)
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Sabores da infância
Todo mundo, quando é pequeno, tem aqueles alimentos preferidos, sejam os bem saudáveis, orientados pelos pediatras, nutricionistas e pela boa conduta alimentar, ou aquela famosa trash food, que são os lanchinhos à base de gorduras, açúcares e muita propaganda e oferta no supermercado, mas que também entram na dieta da criançada. Sejam mocinhos ou vilões, esses alimentos se tornam inesquecíveis.
Quando nos tornamos adultos, eles servem de gatilho emocional que remete à infância, sendo também chamados de comida afetiva, aquela que provoca uma “viagem no tempo” para momentos especiais em que esteve presente.
Para as pessoas com quem conversamos aqui em Diferentes Infâncias e que estão na faixa dos 30 anos, caso de Emmanuel Matheus e Laura Prado, não se trata de um cardápio especial, mas de itens que são consumidos por eles até hoje, como feijão, estrogonofe, pudim e delícia de abacaxi. As mais específicas, como o biscoito Maria que Emmanuel costumava ter sempre à mão, hoje não são mais comuns. “Lanche, na maioria das vezes era biscoito Maria, com suco de saquinho. Lembro forte desse lanche. Hoje, na maioria das vezes, eu não lancho.”
Para Letícia Melo, uma refeição que era sagrada, e continua sendo: a sobremesa. “Eu amava comer leite condensado com Nescau, farinha láctea ou até puro, mas até isso era regrado, eu só podia comer umas duas vezes na semana. Como até hoje, em uma frequência menor, mas vez ou outra ainda como”, conta, depois de dizer que na sua casa a alimentação era a mais saudável possível durante a semana, sendo os fins de semana os dias livres. Durante a semana, “o liberado eram frutas ou aquelas coisas que fossem feitas em casa mesmo, pipoca, sanduíche, bolo. No máximo, um biscoito Maria, Treloso de leite, Nescauzinho. Salgadinhos e biscoitos recheados eram exclusivos dos finais de semana”, detalha.



Assim como o comer certos alimentos com frequência, a ausência deles também influencia os hábitos futuros. Beatriz testemunha isso em relação aos biscoitos oferecidos quando ela era pequena. “Minha mãe comprava biscoito para eu levar para o colégio, na época era muito forte a marca Trakinas, mas minha irmã sempre achava e comia tudo antes de mim. Então hoje eu não sinto muita falta de comer biscoito.”
Quem também não costuma comer doces com tanta frequência é Larissa. A menina de 10 anos tem uma dieta bem balanceada. De lanche, somente frutas e algumas vezes as comidas chamadas de “besteiras”, que normalmente têm baixo valor nutricional. “Proibida não tem, mas eu não devo ficar comendo todo dia chocolate, essas coisas, né? Nos lanches, eu gosto de comer biscoito, às vezes, se for para escolher fruta, escolho banana ou maçã, também gosto de salgadinho”, detalha a garota.
Confira o que ela costuma comer no dia a dia:
Túnel do tempo
Algumas das comidas direcionadas à criançada ou muito consumidas por elas foram lembradas na linha do tempo a seguir. Confira
* Os nomes da advogada e da sua filha foram trocados por quesões de privacidade.