Adelina Pontual
Já são em torno de 40 anos dentro do circuito do audiovisual, né? Como o cinema surgiu na sua vida?
Adelina Pontual – Bom, foi na época da universidade, ainda nos anos 80. Entrei para estudar comunicação e a minha turma coincidiu de ter um monte de gente que se interessava por cinema e aí a gente acabou formando o grupo VanRetrô. Éramos jovens que queriam trabalhar com cinema, então formamos esse grupo de dez pessoas e escrevemos roteiros para tentar produzir através de um concurso que tinha na Embrafilme, na época. E o pontapé inicial foi quando Cláudio Assis ganhou um desses concursos com o projeto dele. Henrique e ele, como amigo do grupo, convidaram a gente para fazer parte da equipe do filme e esse foi o nosso primeiro trabalho, nossa estreia, e daí foi seguindo.
O cinema pernambucano passou por várias gerações. Qual você considera a característica mais marcante da sua fase?
Adelina Pontual – A gente não tinha muito essa coisa temática não, depois que a gente começou a fazer mesmo, cada um fazia suas coisas, o que tinha em comum era essa amizade muito forte, um sempre ajudava e participava dos projetos do outro. E a característica mais forte da gente é que foi a geração que abriu caminho, que retomou tudo, a responsável pela retomada do cinema pernambucano que estava parado há anos.
Você sentiu alguma dificuldade no início da sua carreira por ser mulher?
Adelina Pontual – Na verdade, não senti, não. No nosso grupo tinham mais mulheres do que homens e era um grupo que tinha muita amizade. Mesmo depois que terminou o curso, cada um seguiu seu caminho e fui estudar em Cuba, fiz o curso de cinema lá e voltei com o diploma, então isso também me dava uma chancela muito grande. Mas nunca senti não, por essa questão de gênero, mas era claro que era uma minoria que nem se fala, nos anos 90, de realizadora mulher, só tínhamos Kátia Mesel e eu, em Pernambuco e no Brasil você contava nos dedos. O cinema realmente é uma área onde há uma predominância masculina muito grande até hoje, a maioria dos diretores conhecidos e aclamados são homens.
Trabalhar com audiovisual não é tarefa fácil, mas, para você, qual é o principal desafio da profissão?
Adelina Pontual – Hoje em dia realmente é dinheiro, é conseguir captação para os projetos. Nesse período que a gente está agora, um período de trevas desde que esse governo assumiu, desmontou tudo, tudo que a gente tinha da Ancine, muitos editais parados. Porque tem uma coisa: o povo acha que a gente vive de dinheiro público e não é bem assim, o dinheiro que vai para o fundo setorial, que vai para os editais, é o dinheiro dos impostos das grandes empresas estrangeiras que vem exibir filmes no Brasil, é cobrado esse imposto deles e esse dinheiro vai para o audiovisual brasileiro, nada mais justo, já que a gente está importando audiovisual estrangeiro, que esse dinheiro do imposto vá para fomentar o audiovisual brasileiro. É uma lógica perfeita, em todo o país do mundo o cinema é uma indústria muito cara e em todos há incentivo público para o cinema, sempre há um fundo de investimento estatal para o cinema de alguma forma.
Em Rio Doce/CDU, quem é pernambucano e o assiste pode experimentar um sentimento forte de pertencimento, de ver Pernambuco representado de verdade no cinema. Essa era a ideia do filme?
Adelina Pontual – A ideia era falar das cidades [Recife e Olinda], mas fugindo de um recorte turístico, fugindo de um recorte mais cartão postal. Daí usei esse dispositivo do ônibus, o Rio Doce/CDU e também essa coisa do contemplar da viagem, como um passageiro de um ônibus têm essa oportunidade de contemplar o caminho que ele faz. E ando muito de ônibus, não dirijo, sempre andei na minha vida e tinha isso de observar os lugares por onde passava sentada numa janela de um ônibus e até observar as transformações que acontecem quando você pega uma linha muito tempo. Então essa era a ideia, e falar desse Recife/Olinda mais suburbano também, por onde o Rio Doce/CDU passa, por vários bairros do subúrbio que ninguém fala, ninguém vai filmar lá nesses lugares, essa era a ideia, mostrar um pouco da cidade e das pessoas que vivem na cidade.
É possível ver que na sua carreira houveram estilos de filmes bem diferentes, como em Rio Doce/CDU e em O Pedido, você tem um estilo específico que busca ou algo que garante a sua marca nos seus filmes?
Adelina Pontual – Não, tenho uma coisa um pouco da contemplação, essa coisa mais contemplativa mesmo. Para mim, não me interessa fazer um filme com aquelas edições, filmes de ação ou muitos cortes, não, o Rio Doce/CDU e O Pedido são totalmente diferentes, mas eu acho que têm esse elo da contemplação. Em O Pedido trabalho muito com planos mais longos, porque o tempo também é um personagem, tanto do tempo da vida da personagem, que está acabando, como o tempo daquele dia que tem um compromisso marcado e o tempo que está impregnado na casa, tudo isso. Então, tem essa coisa da contemplação também. No Rio Doce/CDU é um estilo diferente, é um documentário; mas, no fundo, tem esse ponto em comum.
Como você enxerga a afirmação feminina e os movimentos feministas que vêm crescendo no cinema?
Adelina Pontual – Acho ótimo, fantástico, que as mulheres conquistem seus espaços cada vez mais, né? Tanto nessa área de realização, quanto nas áreas mais técnicas, acho realmente que tem que quebrar essa tradição masculina, deixar as coisas mais paritárias dentro do cinema. Por que só o olhar masculino predomina? O do macho branco predomina no audiovisual. Não, a gente tem que abrir espaço pra todos, inclusive para o cinema negro, para o cinema feminino, para o cinema trans e tantos outros.
O que lhe realiza como cineasta? Os prêmios importam para vocês?
Adelina Pontual – Não tenho grandes prêmios não, mas é uma questão até de realização pessoal e tenho total com eles [os filmes]. Não é minha meta ficar recebendo prêmio, acho que o filme vai se cumprir se ele chega no público a quem ele é destinado, não necessariamente por prêmio. É claro que o prêmio ajuda na carreira do filme, ele vai ser mais visto, vai conseguir entrar mais nos canais. Mas me interessa muito mais essa coisa de conseguir que os filmes passem nas TVs, porque aumenta o alcance do público. Uma coisa que fiquei muito feliz com Rio Doce/CDU foi a ida para dois festivais na Argentina, um festival em Buenos Aires e um em Mar Del Plata. No fundo, achava que tinha esse recorte tão regional e não ia interessar muito nos festivais, quando chego lá teve debate, todo mundo falava, comentava o filme e diziam que toda cidade grande tem um Rio Doce/CDU, por isso todo mundo se identifica. Quando você fala da sua província você pode estar falando para o mundo.
Como foi o processo de trabalhar em meio a uma pandemia?
Adelina Pontual – Comecei a dar aula, porque parou tudo, não tinha mais nada. Quando vieram os editais da Lei Aldir Blanc, a gente aprovou um projeto, eu e minha sócia, no edital de pesquisa, mas a proposta era realmente fazer num audiovisual. E fizemos um curtinha, conseguimos fazer esse curta, bem simples, chamado O Rio, um itinerário poético, que é inspirado no poema de João Cabral de Melo Neto. Um estilo que experimentei agora, que é trabalhar com poesia no audiovisual, essa coisa mais poética, no sentido mais literal, de estar trabalhando em cima de uma poesia, então foi uma experiência legal e nova, difícil o processo, mas acabei satisfeita.
Existiu, ao longo da sua carreira, alguma parte negativa em relação a ser nordestina?
Adelina Pontual – Acho que lá no começo tinha muito isso, era estranho quando começaram a aparecer filmes do Nordeste, mas acho que a gente também já chegou chegando. Agora, eu vejo que o cinema pernambucano já tem seu espaço, e é respeitado dentro do cinema brasileiro o que se faz aqui em Pernambuco. Se houve alguma discriminação, acho que não existe mais, porque realmente a gente faz um cinema que é, inclusive, premiado no mundo á fora, não é só no Brasil. Então, tem o espaço, sinto um respeito quando digo: sou de Pernambuco, sou realizadora pernambucana.
Para você, qual é a responsabilidade dos comunicadores com o cinema pernambucano?
Adelina Pontual – Como jornalista, escrever sobre os filmes e publicar nos mais variados veículos é uma maneira de chamar o público para que eles despertem interesse pelo audiovisual pernambucano. Quando você lê uma matéria sobre um filme, você querer vê-lo. Então acho que o jornalista tem essa função e também a de criticar, quando achar que os filmes têm os pontos que merecem crítica.
O que você acha que podemos esperar do cinema pernambucano nos próximos anos?
Adelina Pontual – Espero que retome como estava antes dessa pandemia. O Estado tem que realmente, todo ano, fazer o edital do Funcultura, que é uma conquista para as pessoas que trabalham com o audiovisual no Estado. Aí a gente ainda tem essa válvula de escape através do Funcultura, para tentar fazer algo; na medida do possível, a gente não para. Acho que até com a Lei Aldir Blanc, muita gente pegou, mesmo com o endossamento dos editais sendo muito pequenininho, a gente se virou e fez curtas. Então, espero que agora retome mesmo como estava antes, porque a gente tinha uma produção muito forte e muito grande.
Adelina Pontual é do Recife, formada em Comunicação Social pela UFPE e em Cinema, com especialização em Montagem pela Escuela Internacional de Cine y TV, em Cuba. É diretora, roteirista e continuísta de produtos audiovisuais, como curtas, longas-metragens de ficção e documentários. Nesta entrevista, concedida em setembro de 2021, de forma remota através da plataforma Google Meet, Adelina fala sobre o cenário do cinema pernambucano, seu início nesse universo, a afirmação feminina nesse espaço e comenta algumas das suas obras.

Foto: Otávio de Souza