Negócio Social: empresa de arquitetura busca diminuir o impacto dos problemas das comunidades do Recife

Empresa ‘Arquitetura faz Bem’ realiza reformas e construções, promovendo qualidade de vida nas comunidades

Os desafios enfrentados por crescer em uma comunidade da Região Metropolitana do Recife podem ser encarados como problemas para muitos e o incentivo de mudança para o futuro de outros. Formado em Arquitetura e Urbanismo, em 2009, pela Universidade Federal de Pernambuco, Antônio Lúcio Neto, ou Neto, como prefere ser chamado, viu na arquitetura a oportunidade de mudar a vida de pessoas próximas e impactar a sociedade. “Morei em comunidade até os 19 anos e sempre notei como as obras mexiam comigo, decidi que seria através da arquitetura que eu ajudaria minha família e as pessoas com as quais cresci e desde então, a atividade tem me preenchido emocionalmente, profissionalmente e socialmente”, explica.

A carreira do arquiteto começou em um escritório tradicional, onde a arquitetura funcionava como artefato da “elite”, mas isto não satisfez o desejo de mudança de Neto. O jovem, então, decidiu mudar o rumo da sua história na profissão e escolheu oferecer serviços arquitetônicos de baixo custo para as comunidades mais vulneráveis, por entender que além do direito à moradia, a arquitetura também é uma forma de produzir saúde.

A partir deste desejo surgiu, em outubro de 2018, a Arquitetura Faz Bem – AFB, empresa social que trouxe o arquiteto de volta às comunidades do Recife: “a AFB nasceu dessa vontade de retribuir e atender as camadas que são ignoradas pela área. Hoje, atendemos essencialmente famílias de classes C, D e E por que entendemos que não é luxo, a arquitetura garante direitos e se garante direitos não pode ficar restrita à uma pequena camada da população de alto poder aquisitivo”, afirma.

Antônio Lúcio Neto, arquiteto e fundador da empresa social Arquitetura Faz Bem. Reprodução/Instagram AFB

O processo de atendimento da empresa começa com a visita de campo, a equipe da AFB busca vivenciar e estudar as dores das famílias, ouvi-las, conhecer suas casas, identificar problemas e a partir daí elaborar um produto que atenda a necessidade daquele grupo para que possam solucionar não só problemas estruturais como emocionais também, conforme explica Antônio Neto, arquiteto responsável pelas intervenções. “Quando visitamos as comunidades percebemos que na maior parte das vezes o problema era obras inacabadas ou que fugiam do orçamento, então buscamos cumprir o nosso propósito que é oferecer saúde física e mental a partir de soluções simples de arquitetura para que essas famílias possam ter um ambiente agradável, com boa iluminação e ventilação para que se identifiquem e tenham orgulho de pertencer àquele espaço”, explica o arquiteto.

Para garantir o acesso às obras, projetos e construções, a Arquitetura Faz Bem, conta com a parceria do Instituto Shopping Recife que promove o financiamento daqueles que não podem cobrir os valores das intervenções e de voluntários que se habilitam a participar das construções. “Oferecemos o serviço completo, do projeto à obra finalizada. Para as famílias pagantes, nós nos adequamos à realidade dela, fazemos o projeto dentro do orçamento e não modificamos no decorrer da obra e para aquelas que realmente não podem pagar nós contamos com o apoio do Instituto Shopping Recife que nos fornece o aporte financeiro para garantir a finalização daquele espaço, além, claro, de doações de materiais de outras empresas e a mão de obra voluntária resultante do nosso programa de voluntariado”, explica Antônio Neto.

Voluntariado e Covid-19

Preocupados em oferecer uma experiência dentro da abordagem oferecida pela empresa, a AFB desenvolveu seu próprio programa de voluntariado e reforçou-o durante a pandemia. “Nossa ideia sempre foi apresentar de dentro para fora essa abordagem da arquitetura acessível por que ainda é muito incomum no mercado, então sempre recebemos voluntários para participar de nossas ações e com a chegada da pandemia percebemos que tínhamos que fazer algo dentro da nossa área para diminuir o impacto do vírus”, explica o arquiteto.


Grupo de voluntários da empresa social AFB durante visitação na comunidade Entra Apulso. Reprodução/ Instagram AFB

Com as obras paralisadas, a AFB decidiu aderir à onda de solidariedade que surgiu na cidade e desenvolveu a ação ‘Pias nas Ruas’, uma iniciativa para reforçar os cuidados com a higienização e somar esforços na luta contra o vírus, como detalha o arquiteto, “Vimos um movimento muito bonito de solidariedade, doação de alimentos e itens de higiene, que é fundamental e decidimos alinhar nosso propósito de levar saúde através da arquitetura ao momento e desenvolvemos a ação das pias para incentivar as pessoas a se cuidarem”, afirma.

O projeto foi idealizado por Antônio Neto, após identificar a falta de água encanada e saneamento nas comunidades atendidas. Para solucionar a questão, ele e o grupo de voluntários da empresa, desenvolveram um protótipo de lavatório público que pudesse ser instalado em pontos de grande circulação. “O projeto deu super certo, desenvolvemos as pias e instalamos nas ruas mais movimentadas, porque além de atender quem não tinha água em casa, as pias acabaram funcionando como lembrete para quem precisava sair obrigatoriamente de sua residência”, explica Antônio Neto.

A primeira leva de instalações aconteceu em parceria com o Instituto Shopping Recife, na comunidade Entra Apulso, localidade onde a empresa atua desde 2019, e que foi beneficiada com 10 pias com água e sabão. “Todo o trabalho é feito em conjunto, a liderança da comunidade nos indica os melhores locais e nós instalamos, os moradores que tem água se prontificam para compartilhar com quem não tem”, finaliza.

Primeira versão do modelo de pias instaladas pela Arquitetura Faz Bem, na comunidade Entra Apulso, na Zona Sul do Recife. Reprodução/Instagram AFB

A adesão da ação rendeu à Arquitetura Faz Bem a parceria com a ONG Internacional Habitat pela Humanidade que segue atuando frente o combate ao coronavírus. Juntos, a empresa e a ONG instalaram mais 50 pias em 8 comunidades do Recife, entre elas: Ibura de Baixo, Linha do Tiro, Coque, Bode, Jardim Jordão e Coelhos. “A Habitat viu nossa ação e nos procurou para adaptar e instalar o projeto piloto em Caranguejo Tabaiares, no Bongi, novamente as pias foram super aprovadas pelos moradores e acabou que a ONG, com o nosso piloto, desenvolveu outros modelos para mais cidades e nessa ação já foram mais de 400 pias por todo o país”, comemora o arquiteto.

Grupo de voluntários durante instalação do modelo piloto de pia desenvolvido durante ação “Pias nas ruas”, em parceria com a ONG Habitat. Reprodução/Instagram AFB

À frente do projeto, que no Recife já beneficiou cerca de 6 mil pessoas, Antônio diz que o objetivo de garantir o acesso à água vem dessa preocupação em fornecer o básico de proteção para os moradores. “Cada pia atende uma média de 100 pessoas por dia, então são 6000 pessoas que passaram por ali e estão contribuindo para evitar a proliferação do vírus. Instalamos a pia em uma comunidade no Bode e lembro que um dos moradores falou: “agora podem cobrar que a gente lave as mãos”, foi uma coisa que nos marcou demais e aí ficou claro que a arquitetura frente o corona tem a ver com isso, com esse cuidado”, explica.

Antônio Neto destaca ainda que as ações de voluntariado realizadas pela empresa durante a pandemia, buscam acima de tudo, garantir a segurança, conforto e bem-estar dos moradores das comunidades atendidas para incentivá-los a ficar em casa. “Conseguimos distribuir 100 latões de tinta doados pela Coral e orientamos as famílias beneficiadas a pintarem sozinhos suas casas. Sabemos que isso não é tudo e que a arquitetura não tem o poder de combater o vírus sozinha, mas tem o poder de amenizar alguns problemas e possibilitar que as pessoas se protejam tanto fisicamente, como mentalmente também, proporcionando o vínculo com o lar, o pertencimento”, afirma o arquiteto.

O incentivo às doações

Muitos países desenvolvem artefatos para incentivar doações e o engajamento social. No Brasil, as leis de incentivo fiscal cumprem esse dever. Essas normas estão em vigor para permitir que empresas e/ou pessoas físicas direcionem parte de seus tributos para uma área específica, isentando-se de direcionar os recursos para pagamento de impostos. Em resumo, funciona como se a doação para fins sociais “substituísse” a necessidade de pagar determinado imposto.

Esse fator permite que pessoas físicas e empresas destinem seus tributos para projetos das áreas de cultura, esportes, desenvolvimento social, apoio à pessoa idosa e infância ou programas de saúde, no Brasil, as doações são constantemente direcionadas ao combate ao câncer. Sendo assim, tais incentivos podem compreender o âmbito municipal, estadual e federal.

O último censo do Gife, divulgado em 2018, revelou que dos R$ 3,25 bilhões destinados a ações voluntárias, apenas 14% foram resultantes de incentivos fiscais, uma redução de 3% comparado aos dados anteriores, que registraram entre 2014 e 2016, uma média de 17% resultantes de incentivo fiscal.

Questionado sobre o tema, o arquiteto Antônio Lúcio Neto, afirmou que a Arquitetura Faz Bem não recebe nenhum tipo de incentivo fiscal devido às ações sociais que realiza. “Somos um negócio social e assim como as outras empresas, pagamos nossos impostos, pagamos funcionários. As ações sociais que realizamos são parte do nosso propósito, tornar arquitetura acessível para todos e não temos nenhuma isenção por realizá-las”. O arquiteto afirma ainda que parte das ações acontecem devido parcerias com outras empresas “Não temos isenção fiscal, mas recebemos aporte financeiro do Instituto Shopping Recife, da Construtora Mardifi, e recebemos doações de materiais da Rio Ave e da Casacor que tornam possíveis a construção de casas para moradores em vulnerabilidade extrema que não podem pagar por nossos serviços e agora, na pandemia, somou na ação Pias nas Ruas”, explica.