Uma cena performática está surgindo nas periferias da Região Metropolitana do Recife. Questionando corpo, problemas sociais e suas realidades, jovens artistas LGBTQI+ buscam construir uma carreira e uma identidade artística em meio a um cenário de incertezas e preconceitos contra uma expressão artística que nunca foi totalmente compreendida nem pela crítica nem pelo público.

Nasce uma cena

Pernambuco respira arte na música, na dança e nas artes plásticas. A profusão de ritmos locais, do frevo ao brega funk, expressa a identidade e os desejos de gerações. Nos últimos anos, as periferias vêm ocupando espaço nos cenários nacional e internacional com sua música e cultura. Entendendo esse processo de efervescência criativa, a habilidade de criar produtos artísticos faz desses espaços, geralmente marginalizados como locais de falta, importantes centros de criação e construção de identidades. É assim também no cenário da performance.

LINHA DO TEMPO

História e curiosidades sobre a performance como arte.
< utilize as setas para navegar >

O início

Historicamente, as influências performáticas surgiam nas vanguardas européias, nas décadas e 10 e 20, com a linguagem artística herdada do dadaísmo. No entanto a partir da década de 50 os fluxos performáticos se mostram mais frequentes e com diferentes nomeações: happening, ritual, 16 demonstration, directart, destruction art, event art, dé-collage, body art entre outros. A partir dos anos 1970, então, todas as denominações foram agrupadas sob uma única terminologia: performance – o uso do corpo como suporte à arte.

Década de 20

(Primeiros Registros)

A obra “Tonsure” (1919), do artista Marcel Duchamp se apresenta como uma das primeiras alusões registradas do uso do corpo como suporte para a arte. Na peça, seu trabalho de registrar cores de cabelo como obra reflete o corpo mais próximo da performance, sendo assim, um dos primeiros passos o surgimento de um movimento artístico performático.

As influências de outras artes

Outro nome que se destaca como um dos primeiros a explorar novas linguagens da arte: o coreógrafo, dançarino, arquiteto e artista plástico Rudolf Laban liderava as apresentações no Cabaré Voltaire, em Zurique, onde também se apresentavam seus alunos de arte. As apresentações, que bebiam de influências futuristas, dadaístas e surrealistas, são apontadas e legitimadas pelos estudiosos da história da arte como as primeiras manifestações formais da arte da performance.

O primeiro registro “formal”

Com a obra, “Salto no vazio” (1960), do artista francês Yves Klein em queda livre, foi descrita por Jorge Glusberg, em seu livro “A arte da performance” (2013), como um dos movimentos iniciais do que viria a ser a arte da performance no mundo.

Body art e Performance

Glusberg abre a discussão em seu livro sobre a correlação entre a arte da performance e o body art. Segundo ele, o novo movimento surge como um desdobramento da body art.
 

O que é Body art?

É caracterizada pela direta referência ao corpo do artista, às roupas e aos objetos pessoais, aos fluidos e fragmentos corporais. Na body art, a premissa é algo primariamente pessoal e privada. Seu conteúdo é autobiográfico e o corpo é usado como o corpo próprio de uma pessoa particular e não como uma entidade abstrata ou desempenhando um papel. Sem a necessidade de outro artefato.

“O conteúdo dessas obras coincide com o ser físico do artista que é, ao mesmo tempo, sujeito e meio da expressão estética. Os artistas eles mesmos são objetos de arte”, pontua Lucia Santanella, estudiosa brasileiria sobre arte e semiótica.

Manifestações artísticas

 

A arte da performance também é fruto de uma série de manifestações e situações artísticas ocorridas entre as décadas de 1940 e 1960. Entre elas, a arte de Jackson Pollock se destaca. 

O artista primeiro pintor a abandonar toda e qualquer convenção temática central e a derramar tinta em vez de usar pincel e paleta. Na foto, a performance Action painting.

“Antropometries” de Yves Klein (1960)
“Escultura Viva” de Piero Manzoni (1961)
“Street works IV” (1969) de Vito Acconci

O happening e Performance

Os artistas Escola de arte Nova York, no qual trabalhando em conjunto com dançarinos, coreógrafos, atores e músicos, contribuíram de forma pulsante para o surgimento da performance como gênero na década de XX. Eles experimentavam os happenings – eventos tão propagados por John Cage, Allan Kaprow, Wolf Vostell.

O que é happening?

Apesar de definida por alguns historiadores como um sinônimo de performance, o happening é diferente porque, além do aspecto de imprevisibilidade, geralmente envolve a participação direta ou indireta do público espectador. Para o compositor John Cage, os happenings eram “eventos teatrais espontâneos e sem trama”.

O centro de discussão sobre arte e política

Entre as décadas de 1960 e 1970, vários artistas convergiram para o Greenwich Village, em Manhattan, Nova York, residência de Marcel Duchamp. Naquele momento histórico, artistas estavam em busca de experimentar novas linguagens que transpusesse os sentidos da realidade e colocassem em discussão assuntos relevantes para o meio atual.

No seio dessa sociedade em conflito, questões de gênero, etnia e classe foram levadas para o âmbito das artes e discutidas sobre a superfície da tela, nos volumes da escultura, na música do cotidiano e nos corpos daqueles que ansiavam por mais liberdade de expressão.

O surgimento de movimentos

Contribuindo no processo de consolidação da performance como gênero, artistas de diversas áreas na década de 60 a 70 viviam uma época de contextos políticos conturbados, com os movimentos hippie; feminista; gay; estudantil; também a luta pelos direitos civis dos negros e contra o preconceito racial; a valorização de atitudes ecológicas e espiritualistas.

Os artistas utilizaram esse panorama para abordar em suas obras questões políticas e sociais. A exemplo de Woodstock; Literatura Beatnik; Stonewall Inn. Aí surgiu o movimento mais abrangentemente conhecido como contracultura.

O corpo que diverge do belo

Em 1963, a cena artística do bairro nova-iorquino de Greenwich Village foi descrita pela pesquisadora Sally Banes como: avant-garde, performance e o corpo efervescente. Nesse livro, a autora nos apresenta um corpo diferente, “licencioso”, mais próximo à natureza, em oposição ao corpo padronizado e governado por normas culturais e condutas socialmente aceitáveis àquela época – o que também pode ser apontado como mais uma condicionante para o surgimento da linguagem artística performance.

Ainda no livro, Sally Banes descreve a relação entre corpo e arte caracterizado e visto durante o final da década de 50: “o corpo efervescente e grotesco é considerado literalmente aberto ao mundo, se misturando facilmente com os animais, os objetos e os outros corpos. Seus limites são permeáveis; suas partes são surpreendentemente autônomas; é, em toda parte, aberto ao mundo. Entrega-se livremente a excessos na comida, na bebida, na atividade sexual e em toda espécie imaginável de comportamento licencioso. E é precisamente por meio da imagem desse corpo grotesco do desgoverno que a cultura não-oficial tem aberto buracos no decoro e na hegemonia da cultura oficial”.

O grupo Fluxus

Um dos grupos mais relevantes do meio artístico na época, o grupo Fluxus teve extrema importância no cenário cultural, explorando linguagens e novas formas de traduzir proposições artísticas. 

Os artistas eram comprometidos com a exploração de sons e ruídos tirados do cotidiano, desenhando claramente o estilo performático que visava romper as barreiras entre arte/não-arte. 

As performances por de Georges Maciunas, entre 1961 e 1963, dão uma projeção inédita a essa nova forma de arte. Os experimentos de Nam June Paik), assim como os de John Cage que associam performance, música, vídeo e televisão.

O movimento Durante esse período contou com diversos artistas como Dick Higgins, Allison Knowles, Ken Froedman, George Brecht, Yoko Ono, Nam June Paik, Takako Saito e entre outros.

Entrando em outras linguagens

No início da década de 70, a performance surgiu como gênero explorado pelos escritores, músicos, artistas visuais e cênicos. A partir de então, a performance começou a se encaixar em outros meios e ganhou novos suportes tanto sonoros, quando de dança e literatura.

O surgimento do termo

O termo performance, associado ao universo das artes, foi usado inicialmente nos Estados Unidos no final dos anos 70, referindo-se a ações em geral do uso do corpo como suporte artístico. Já quando acrescentando  o termo arte – somando performance art – é para referir-se a uma forma espetacular específica.

O surgimento do termo

“Esse tipo de expressão aparece na cena artística como uma forma de negação do mercado de arte; contestação do discurso sacralizador; valorização da criatividade e da liberdade artística em detrimento da técnica e do virtuosismo. Absorvidos pelo sistema, os registros dessas experimentações (vídeos, fotografias, projetos, etc.) compõem acervos de museus e galerias ao redor do mundo – mais um paradoxo na história da arte contemporânea. A performance, num sentido estritamente ontológico, é não reprodutiva. E é essa qualidade que faz da performance o parente pobre das artes contemporâneas. A performance estorva os maquinismos suaves da representação reprodutiva necessários à circulação do capital.”,  detalha Peggy Phelan em seu livro ‘A ontologia da performance: representação sem reprodução’

A performance ganha novos sentidos

Apesar de ter termos que já designassem o sentido da performance como uso do corpo para expressão artística, a performance discute ações e aborda sentidos em diferentes suportes e intenções, sendo elas narcisísticas e autobiográficas; intrigantes; ritualísticas; militantes; escatológicas; de puro entretenimento; entre outras. Além de ter também movimentos ligados à exploração limites do corpo físico, psicológico e social (Marina Abramovic, Ana Mendieta, Joseph Beuys, outros) ao lado daqueles que já estreitaram as fronteiras entre arte e vida a tal ponto em que o ato de respirar já é uma ação performática e espetacular, a exemplo de John Cage, Allan Kaprow, Gilbert & George e Orlan (ícones do happening, da live art e performance).

Performers influentes do Século 20