Eleonora Pereira: Mãe em luta

“Naquele momento, meu filho não tinha braços, nem pernas. Era apenas um corpo que eu teria que levar para sua casa, a última morada, o caixão”, disse Eleonora ao recordar do momento em que perdeu seu filho, o produtor cultural José Ricardo Pereira, vítima de um ataque homofóbico em 2010.

Eleonora conversava com o filho na calçada de sua casa, no bairro de Jardim São Paulo, zona Oeste do Recife, quando resolveu buscar um copo de água na cozinha. Ao retornar, o jovem já não estava mais lá. A noite passou e José Ricardo não retornou para casa. Foi então que começou a procura pelo filho até encontrá-lo no Hospital da Restauração no, centro do Recife, dias após a agressão.


Quando Eleonora olhou para o seu filho, entubado e em estado grave, ela já sabia que as chances do rapaz sobreviver aos ferimentos eram mínimas. A mãe já o procurava havia dois dias, desde que desapareceu da calçada de sua casa na noite daquela quinta-feira.

Embora o coração da Eleonora, que é enfermeira, já entendesse, o lado mãe se recusava a aceitar que aquela violência fosse o fim do jovem, logo ele que dedicou toda sua vida para levar amor e lutar contra a LGBTfobia. Infelizmente, no dia seguinte, ela recebeu a ligação do hospital informando que Ricardo não havia resistido aos ferimentos. Para ela, o filho tinha suportado mais do que poderia, e, na verdade, só estava à espera da mãe para dar um beijo de despedida e partir.

 

 

Foi então que a enfermeira, que já lutava ao lado dos direitos humanos, enxugou as lágrimas pelo falecimento do filho, ergueu sua bandeira com seis das sete cores do arco-íris e resolveu lutar. Hoje, sete anos após o assassinato, e dois anos após a condenação dos responsáveis pela morte do jovem, Eleonora ainda se dedica à luta do filho. “Eu não tenho protagonismo, mas meu filho tinha. Ele era um LGBT e agora eu sigo o desejo dele por mais respeito, mais informação e menos abusos para essas pessoas”, explicou Eleonora que atualmente é defensora internacional de direitos humanos.

O produtor cultural era militante da causa LGBT. Ainda adolescente, transformou o Parque 13 de Maio, no centro do Recife, em palco para a conscientização. “Ele sempre gostou desse parque, desde criança ele adorava brincar aqui. Quando resolveu militar, trouxe sua luta para este lugar também”, afirmou Eleonora, olhando para o cenário e vislumbrando o jovem José Ricardo entregando panfletos, orientando as pessoas contra a violência.

José Ricardo se tornou mais um número cruel na estatística da violência contra as lésbicas, gays, bissexuais e transexuais. No ano em que o jovem morreu, houve 260 assassinatos de pessoas LGBT no país, segundo informações do Grupo Gay da Bahia. O Brasil, que é conhecido por sua diversidade cultural, é apontado pelo Monitoramento da Rede Nacional de Pessoas Trans também como o país que mais mata pessoas transgênero e travestis no mundo. Segundo eles, até o início do mês de maio de 2017, já havia sido contabilizadas 54 mortes violentas de mulheres e homens trans em todo o território nacional.

Em Pernambuco, o número assusta: em 2016, pelo menos 39 pessoas da população LGBT foram mortas; e em 2015, foram 38 vítimas, de acordo com dados repassados pela Polícia Militar de Pernambuco. Há, também, os que conseguem sobreviver: de acordo com dados da polícia, em 2016 houve 439 boletins de ocorrência de pessoas LGBT por lesão corporal, em 2015, 442.

Esses números não saem da cabeça de Eleonora. Cada mãe que perde seu filho para a violência pelo simples fato de eles amarem pessoas do mesmo sexo ou desejarem ser quem são, leva a dor de cada LGBT maltratado, abusado e assassinado. A embaixadora de direitos humanos não perdeu apenas um filho que foi seu companheiro por 24 anos, ela perdeu o futuro do jovem que lutava por mais amor e tolerância.  Agora ela não toma mais chá (o chá que o filho costumava trazer para ela, quando estavam na varanda de casa conversando e trocando segredos).

Eleonora tem a bandeira e a luta de seu filho para levar nas costas, com a dor da perda, mas a certeza que de onde José Ricardo estiver, ele a vai estar ajudando. Hoje ela orienta as mães, relembrando a elas o que é importante: “Você sempre vai ser mãe, e naquele momento em que descobre que seu filho não é quem você gostaria que ele fosse, que não ama as pessoas que gostaria que ele amasse, você não perdeu o filho, você ganhou alguém especial. Você se torna o amor colorido”, afirmou.

Leia também:  Entenda o Caso de José Ricardo Pereira. 

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