Alexya Salvador: De mãe para filha

“Hoje, eu sei que a minha filha vai poder fazer o que eu não pude quando era uma criança na década de 80. Ela vai crescer sendo ela mesma sem ter que se esconder”, explicou a pastora e professora de 36 anos, Alexya Salvador, sobre sua filha Ana Maria Salvador, uma garota transgênero de apenas 10 anos, que hoje vive no município de Mariporã, região metropolitana de São Paulo.

Criada por uma família muito amorosa e unida, Alexya sempre sonhou ter uma casa cheia de filhos. Apesar de acreditar que nunca alcançaria seu desejo de ser mãe um dia, ela e o marido, o servidor público Roberto Salvador, conversaram e decidiram tentar. Foi então que há dois anos, encontraram o seu primeiro filho, Gabriel, um garoto com necessidades especiais e totalmente fora dos padrões de adoção. “Quando chegamos, trouxeram os menininhos branquinhos, de olhos verdes para vermos. Mas então vimos o Gabriel no cantinho separado. Eu e o Roberto nos olhamos e sentimos na mesma hora: aquele é o nosso filho”, lembra a mãe emocionada.

Quase dois anos depois da adoção do Gabriel, Alexya se tornou a primeira mulher transexual no Brasil a adotar uma criança trans no final do ano de 2016. Antes de morar com sua família em Mariporã, Ana Maria viveu por um ano e meio no Lar de Maria, no município de Jaboatão dos Guararapes, após várias tentativas frustradas de adoção. “A situação dela era difícil. As pessoas adotavam como menino, mas chegava na verdade, uma menina”, explicou a mãe, que sempre quis em ter uma filha trans.

A Juiza da Vara da Criança e Juventude do município de Jaboatão dos Guararapes, Christiana Caribé, entrou em contato com Alexya após assistir a uma de suas palestras em que falava sobre o desejo de adotar uma criança trans. “Ela me informou que em Pernambuco tinha uma criança que tinha as características de ser uma criança trans”, disse Alexya, que aceitou no mesmo instante conhecer a garota.


O processo de adoção foi diferente. Por Alexya estar em São Paulo e Ana Maria em Pernambuco, a aproximação das duas foi completamente virtual. Todos os dias, foram enviadas fotos e vídeos do cotidiano da criança, enquanto Alexya tinha que enviar vídeos costurando, cozinhando e até trabalhando para a menina se habituar. As duas também puderam conversar online por aplicativos de vídeo e de mensagens instantâneas. Durante três semanas, essa foi a comunicação entre as duas, até o dia em que a mãe foi finalmente ao encontro de Ana Maria com a família Salvador.

“Ela não nasceu da minha barriga, até porque eu não tenho útero. Mas nasceu para mim e o parto da Ana foi muito lindo”, relembra Alexya, sobre aquela tarde ensolarada em Jaboatão dos Guararapes em que pôs os pés no Lar de Maria. Os portões de ferro se abriram e ela pôde ver aquela criança, que antes só conhecia virtualmente, correr em sua direção enquanto gritava com o sotaque genuinamente pernambucano “Mainha, mainha”. Naquele momento, Alexya não sentiu suas pernas. Apenas se abaixou involuntariamente, com lágrimas nos olhos, e esperou o abraço daquela menina, que mesmo de tão longe, nasceu para ser sua filha.

Hoje, Ana Maria tem uma família, uma casa e tem muito amor. Mas Alexya sabe que não viverá para sempre e nem que estará ao lado da filha 24h para protegê-la do mundo e das transfobias . “Eu fico me perguntando que mundo eu vou deixar para minha filha, que tem a demanda dela como menina transgênero. Ela passou despercebida na escola, mas ninguém sabe se sempre vai ser assim, então conversamos muito todos os dias e explico como são os valores e mostro sempre que ela não é doente, a nossa sociedade que é”, contou.

O coração de mãe deseja proteger sua filha de todos os males, mas Alexya também entende que não preparar ela para a realidade do país pode não ser saudável. A saída que encontrou, além de orientar e educar, é empoderar a filha como uma mulher trans seguindo o caminho da igreja, que, contrariando a ordem de LGBT vs. Igreja, pode ser uma excelente união para formar jovens e adultos mais tolerantes e recriar o mundo para a diversidade.

 

 

 

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