No dia 23 de dezembro de 1982, a Comissão Brasileira de Arbitragem (Cobraf) anunciou a criação de um quadro feminino de arbitragem, sob a perspectiva de regulamentação do futebol de mulheres no Brasil.

“Vejo com simpatia a ideia. Nada mais justo do que mulheres dirigindo jogos de futebol feminino. Além do mais, seria outra conquista na luta das mulheres por sua emancipação e igualdade com os homens. Participariam de uma atividade que, até agora, é destinada exclusivamente ao sexo masculino”, afirmou o diretor da Cobraf, Áulio Nazareno.

Apesar da regulamentação do futebol feminino ainda restrita, a Associação Profissional de Árbitros de Futebol Profissional (APAFP) anunciou, em abril de 1983, a criação de um curso para formação de juízes através das associações filiadas nos estados, permitindo, assim, a participação de mulheres na profissão. As aulas seriam ministradas por outros árbitros e por professores de Educação Física. Para participar do curso, era exigido segundo grau completo.

A iniciativa para criação do curso teria partido do então presidente e vice-presidente da APAFP, Arnaldo Cesar Coelho e Valquir Pimentel; Leonel Pandolfo, da Associação de Árbitros do Rio Grande do Sul; além de Gilson Cordeiro e Inácio Gonçalves, representando Pernambuco; e Tito Rodrigues, do Paraná.

A ideia não foi simpática ao presidente da Federação Internacional de Futebol, João Havelange, que teve a sua relação com a modalidade feminina marcada pela contradição. Havelange sentenciou de imediato que “enquanto eu for presidente da CBD, mulher não joga e nem apita futebol”.

O enredo sobre a história das mulheres na arbitragem poderia ser definido pelo posicionamento de Havelange e consolidado pela ditadura militar, ainda vigente no Brasil naquela década. No entanto, essa narrativa cruzou o caminho da mineira Asaléa de Campos Fornero Medina. Léa Campos, como era conhecida, tornou-se a primeira árbitra mulher de futebol profissional do Brasil.

Antes mesmo da Cobraf anunciar a criação de um quadro feminino de arbitragem, Léa já havia se dedicado à profissão. Em 1967, a mineira estudou por oito meses na escola de árbitros da Federação Mineira de Futebol. Apesar da conclusão do curso, Léa teve o seu diploma bloqueado pela então Confederação Brasileira de Desportos (CBD), o que a impedia de exercer a profissão.

O veto durou até a chegada de um convite da Fifa para atuar como juíza na II Copa do Mundo de Futebol Feminina, que seria realizada no mesmo ano, no México. Com a participação em concursos de beleza de Minas Gerais, Léa foi consagrada Rainha do Exército. Através da conquista, a mineira conseguiu uma breve conversa com Emílio Garrastazu Médici, onde pediu ao então presidente que redigisse uma carta para Havelange liberando a sua atuação durante as partidas de futebol. Médici prontamente atendeu o pedido de Léa, e enviou a correspondência para João Havelange que, na época, estava à frente da CBD.

Centro de Memória do Esporte da EEF-UFRGS | Acervo Museu do Futebol 
Léa Campos, primeira árbitra mulher de futebol profissional do Brasil. Foto: Centro de Memória do Esporte da EEF-UFRGS

Ao receber a carta de Médici, João Havelange convocou uma coletiva de imprensa, para anunciar – mesmo à contragosto – que “sai a primeira mulher árbitra (brasileira) de futebol profissional para todo o mundo futebolístico”. Através de toda a sua luta e resistência em um esporte machista e repressor, Léa entrou para a história como pioneira entre as árbitras.

Outra conquista importante para a categoria no Brasil foi a participação da brasileira Cláudia Vasconcelos Guedes, que integrou a primeira equipe de arbitragem da FIFA inteiramente composta por mulheres. O feito aconteceu em 1971, na primeira Copa do Mundo Feminina, na China. Junto a Cláudia estavam Linda Black, da Nova Zelândia, e a chinesa Zuo Xiudi.

Pioneirismo em Pernambuco

Falando em pioneirismo, Pernambuco também teve um nome importante na história da arbitragem brasileira: Maria Edilene Siqueira. Edilene tornou-se uma das primeiras mulheres a atuar como bandeirinha no futebol de “elite” e a primeira a apitar um jogo profissional de atuação masculina.

No dia 8 de novembro de 1992, a árbitra foi selecionada para apitar um jogo entre Sport e Santa Cruz. Foi o primeiro clássico, em Pernambuco, comandado por uma mulher. Contudo, um dos momentos mais marcantes na carreira de Edilene não aconteceu na sua terra natal. Em 1993, ela foi bandeirinha na partida entre Cruzeiro e Corinthians, no Pacaembu. O jogo era decisivo no Campeonato Brasileiro e Edilene foi uma das protagonistas. A partida estava empatada, quando Rivaldo, livre da marcação, recebeu a bola e fez o gol responsável pela vitória do Corinthians. O time do Cruzeiro achou que o lance estava impedido – mesmo as imagens da televisão mostrando o contrário – e partiu para cima de Edilene, que levou um chute nas pernas do jogador Nonato.

A sua resistência no gramado a levou ao comando de dois mundiais femininos, realizados em 1995 e 1999.

Maria Edilene Siqueira, uma das primeiras mulheres a atuar como bandeirinha no futebol de “elite” e a primeira a apitar um jogo profissional de atuação masculina. Foto: Arquivo DP

Conheça a história de outras árbitras na história do futebol de mulheres:

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