Guerreira, briguenta e trabalhadora. Honesta, corajosa e um pouco rude. Características que compõem a força de uma mulher especial que enfrenta a pior batalha da sua vida: contra a morte. Antes de entregar os pontos à sua oponente, Umbilina decreta o começo de uma épica aventura, transformar seu filho caçula – o único não levado precocemente pela temida – em personagem da Literatura de Cordel. Protagonista de ‘Umbilina e sua Grande Rival’, obra do escritor e jornalista Cícero Belmar, a sertaneja se recusa a morrer enquanto não alcançar o plano elaborado para o seu benjamim.
No Brejo da Misericórdia – cenário do drama – tem de tudo. Florzinha, a menina que vê Nossa Senhora, atrai multidões de romeiros à pequena cidade do interior. A igreja não tem padre. Mas é cuidada sob os olhos avarentos da beata Alzirinha. O professor Lúcio do Santo, coração destruído após ser abandonado pela própria mulher, desenvolve uma super visão. Pode ver de perto fenômenos que acontecem a anos-luz. Nem Umbilina, calejada pela morte de nove filhos e a traição de seu marido Manoel da Caatingueira com a prostituta Fonfita, escapa. Engoliu um sapo – do ditado popular “Engolir sapos” – que maltrata seu organismo, mas peleja diariamente com a morte para transformar José Maria do Ventrojesus no grande herói de um folheto de Cordel.
A luta da personagem é uma homenagem a uma das máximas expressões da cultura popular. “Eu resolvi escrever uma homenagem à cultura popular. Li cerca de 300 cordéis e criei um argumento que tivesse um enfoque na literatura de cordel. Li os folhetos para entender melhor a linguagem dos autores de cordel, a forma como eles veem o mundo, como eles tratam os temas e as personagens”, explica o autor.
A história sofrida dos sertanejos não poderia ser contada de outra forma. É através do realismo mágico que os personagens ganham vida. “O sertanejo da zona rural viveu, na prática, o realismo mágico. Viveu, bem entendido, porque hoje em dia, depois da televisão e da internet, tudo é moderno e evoluído. Mas, bem, ele viveu o realismo mágico através do catolicismo popular. Eles acreditavam – muitos ainda acreditam – na força do sobrenatural para justificar, por exemplo, aquilo que eles não sabem responder sobre os fenômenos climáticos”, conta.
Na corda bamba de tentar atribuir ao sobrenatural os acontecimentos intrigantes que acontecem a sua volta, Umbilina percorre estradas espinhosas, desmancha mágoas, enfrenta bolas de fogo, engole sapos, promove uma revolução na cidade e destrói suas próprias amarras uma vez obstinada com sua derradeira missão. Mas na companhia do poeta e cordelista Severino Leandro de Athayde, o candidato escolhido para criar a história do garoto – um adolescente apenas interessado no seu amor platônico por Florzinha -, descobre que ela mesma, a mulher que engoliu um sapo, é a grande personagem de sua mais fiel paixão: a literatura de cordel.
Ganhador do Prêmio Lucilo Varejão do Conselho Municipal de Cultura em 2001, Umbilina e sua Grande Rival chegou à sua 2ª edição quase 12 anos após o lançamento. A nova edição foi lançada em um evento na IX Bienal Internacional do Livro de Pernambuco. A obra, no entanto, é atemporal. “A literatura popular continua tão viva como outras. O leitor gosta de Cordel, principalmente quem gosta de literatura, sabe apreciar várias linguagens”, defende Belmar.