A literatura de cordel que conhecemos atualmente não é parecida com as rimas que deram origem a este estilo literário. As primeiras métricas e rimas semelhantes ao gênero eram encontradas em folhas soltas penduradas em cordões, nas feiras de Portugal e em outros países da Europa. As folhinhas traziam textos sobre os costumes locais e críticas sobre o cotidiano sempre com um toque de humor.
E foi através dos portugueses que o cordel chegou ao Brasil. Trazida pelos colonizadores para Salvador, atual capital baiana, a arte se disseminou em outros estados da região Nordeste. Há relatos de que os folhetos chegaram em terras brasileiras em meados do século 18, mas não há informações precisas porque o repente e os violeiros são considerados disseminadores da arte e data de chegada. A única certeza é que os livretos de papel ainda existem e encontraram formas de se aliar à globalização, internet e novas tecnologias.
Confira os vídeos:
Os poetas brasileiros transformaram o modelo português em pequenos livrinhos de baixo custo e com ilustrações na capa. Os folhetos eram vendidos em feiras livres e no meio da rua. Na prática, funcionava da seguinte forma: o artista montava uma banca improvisada de cordéis e começavam a recitar, chamando a atenção dos transeuntes.
Da era de ouro – quando cordelistas chegavam a ganhar 50 mil reais em um mês – até o período da decadência, esta expressão da cultura popular passou por várias fases, chegando ao apogeu no século 19 e perdendo força nos anos 90. Passado o período difícil, a literatura conseguiu se reerguer. Os poetas passaram a encontrar redutos, se reunindo em associações – a exemplo da Unicordel e Academia Caruaruense de Literatura de Cordel – como forma de representar o gênero nas programações pelo Estado.
Neste novo tempo, outra figura apareceu: a internet. O cordel viu a necessidade de encontrar aliados digitais. As rimas agora são escritas em computadores, impressas em grande escala e têm nas redes sociais ferramentas de divulgação gratuitas. Para o cordelista Olegário Filho, a internet chegou para agregar valor aos livretos. “O que as pessoas acham que são os vilões, na verdade, são nossos aliados. Hoje, a pessoa que publica um cordel, bota na internet e se torna popular”, ressalta. Ele ainda defende que o fator tecnologia é determinante na disseminação da arte, uma vez que a tradição dos cordelistas em feiras livres perdeu a força com o passar das gerações. “Aqui na feira de Caruaru, que é uma das maiores do mundo, não se vê um cantador de viola, um embolador de coco e nenhum cordelista declamando seu cordel, porque não dá mais dinheiro”, lamenta o artista, também fundador do Museu do Cordel Olegário Fernandes, localizado no meio da feira de eletrônicos de Caruaru, no Agreste do Estado.
O cordelista Nelson Lima compartilha da ideia e acrescenta: a internet é muito mais do que espaço de divulgação da arte, é também um canal de expansão da literatura por ter uma abrangência mundial. “Existem belos sites e blogs de cordel. Todos os festivais de literatura que existem no país tem uma palestra, oficina ou estande de cordel. A feitura gráfica pode até tomar outro rumo, mas a escrita em sextilha e sextilha já está eternizada”, comenta Lima.
Já o jornalista caruaruense Jénerson Alves, também cordelista, acredita que tal literatura caminha na direção oposta do sistema vigente. “A globalização gera efeitos contra ela própria. Isso porque, com o advento da internet, os meios de produção de conteúdo não se restringem aos oriundos dos grandes centros, embora ainda predominem neles. Nesse cenário, o cordel adquire novos significados, dialogando com essas novas tecnologias”, explica Alves.
Sem pedir licença, as novas tecnologias bateram à porta do cordel e exigiram um posicionamento dos seus representantes atuais. “Tanto o formato quanto o conteúdo da poesia “cordeliana” estão em metamorfose. Os livretos não são simplesmente impressos em papel jornal com narrativas que promovem apenas uma leitura superficial. Os tópicos abordados representam a complexidade do mundo em que vivemos. A internet é utilizada como mecanismo de produção e divulgação dos cordéis”, defende Alves.