J. Borges passou por diversos ofícios até se render à xilogravura

 

Carpinteiro, pedreiro, pintor, ceramista, oleiro e outros diversos ofícios até encontrar seu lugar na vida. Com a literatura de Cordel, José Francisco Borges viu a necessidade de mostrar ao mundo a identidade de um povo sofrido e com muita história para contar. Ao trilhar seu caminho, se tornou o representante da xilogravura brasileira e um dos principais cordelistas do país. É ele, que atende mundialmente por J. Borges, na sabedoria dos seus 78 anos, um dos responsáveis por repercutir a história escrita e falada em rimas bem pensadas sobre nossa cultura popular.

Quem vê de longe, não poderia imaginar que aquele menino pobre, nascido no sítio Piroca, em Bezerros, município no Agreste do Estado, a cerca de 100 quilômetros da capital pernambucana, se converteria no Rei da Xilogravura. Pouco estudo e muito trabalho. Assim era a vida de J. Borges até ser apresentado ao universo do cordel. “Quando eu era criança, às vezes faziam leitura de cordel na casa de alguma pessoa. Eu gostava muito de ouvir as histórias, foi aí que me apaixonei”, relembra o mestre. Na casa dos 20 anos, decidiu levar a paixão para o campo profissional. Aprendeu as técnicas da escrita e da venda e elaborou seu primeiro trabalho aos 29 anos, ‘O Encontro de Dois Vaqueiros no Sertão de Petrolina’. Com sua obra, percorreu feiras livres pelo interior de Pernambuco e em dois meses vendeu cinco mil exemplares.

 

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J. Borges não parou de escrever. Continuou a missão de levar aos nordestinos as histórias que, por explorar o lado ficcional, serviam de fuga à realidade dura. “Fui escrevendo profecias, previsão de tempo, as palavras de padre Ciço (sic), essas coisas que o povo gostava tanto. O povo gosta é de mentir. E o mesmo povo acredita nas mentiras dos outros. Os poetas se apegam a isso e aí inventam as histórias”, explica e faz uma ressalva para não deixar dúvidas: “Eu sou o cara que escreve mentira. Quem escreve verdade, morre de fome”.

Em 1964, surgiu a necessidade de ilustrar as mentiras que contava para o mundo. Aí nascia o seu império. “Eu comecei porque trabalhava com cordel e precisei ilustrar. Tentei fazer e deu certo. Nunca tinha visto ninguém fazendo, mas já sabia como era a técnica. Preparei um clichê de madeira (como era chamada a xilogravura na época), levei na gráfica, mandei imprimir e vendi na feira. E é assim até hoje”, comemora.

 

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Desde então, viaja pelos quatro cantos do planeta, carregando na mala seus cordeis ilustrados com a arte de xilogravura. Entre os contemplados com os livretos e palestras do cordelista, estão Estados Unidos, Chile, México, França e Suíça. Apesar do renome internacional, J. Borges não criou raízes no exterior e continua a fazer da cidade natal o seu reduto de inspiração.

Na casa onde mora, criou o Memorial J. Borges, responsável por perpetuar cultura popular em diversos artesanatos. “Na arte, a gente têm que ir inovando, criando alguma coisa em cima da mesma arte. Eu comecei a fazer cerâmica, quadro pequeno e já estou fazendo quadro grande. Se a gente ficar só restrito a fazer uma matriz, fica meio cansativa e não dá uma renda suficiente para a pessoa sobreviver”, analisa.

Quando questionado sobre a internet como instrumento determinante para a morte do Cordel, o mestre pondera as possibilidades e dispara: “Eu acho que não. A época em que o cordel foi à beira da cova foi nos anos 90. O cordel, que se fazia cinco mil, vendia dentro de um ano. Aí se passou a fazer 500, que passava dois, três anos, para vender. Então, quer dizer, estava indo à falência mesmo. Acabou os cordelistas de feira, porque a mocidade não quer mais isso. O povo está aí pra comprar, mas não tem quem venda”, explica. A grande salvação do cordel, segundo J. Borges, foi o interesse das instituições de ensino. “As escolas despertaram e começaram a trazer alunos e incentivá-los a ler a literatura de cordel. O cordel retomou, já está mais de 50% do que foi no século passado e eu acho que a tendência é melhorar mais ainda”, defende.

Além das barreiras encontradas com o passar das gerações, J. Borges confessa: é na falta do amor e pouca dedicação ao trabalho desempenhado que reside a decadência de qualquer ofício. “Se a pessoa não fizer com amor e dedicação, não consegue vender. Porque se a gente faz uma coisa com má vontade, sem gostar, não sai bom e o povo parece que adivinha e não compra”, entrega, em meio a risadas. Neste compromisso velado, já são cerca de 300 cordéis escritos para desbravar o mundo afora.

 

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