ÚLTIMA VIAGEM

Muito mais do que
decifrar palavras

Créditos: LunarBaboon (Instagram) / tradução: Melhores Tirinhas (Instagram)

Sempre lembro do meu pai falando “minha filha, eu queria muito ler mais, mas eu não tenho esse hábito”. Essa mensagem permanece na minha cabeça. Desde o momento que eu me formei na alfabetização, até antes disso, meus pais me incentivaram muito à leitura. Minha mãe, pedagoga e professora de escola, é a pessoa que sempre caminhou junto comigo para essa formação, inclusive, me ensinando a ler. Quando eu quase reprovei na alfabetização, ela me disse, “eu sentei com você e lhe ensinei. Mas não queria ver você repetindo uma série”. Meu pai, militar, da maneira dele, me incentivou também, trazia do quartel gibis de um personagem chamado “Recrutinha”, que eu e meu irmão dividíamos.

Aos poucos, fui entendendo os meus gostos. Comecei com Harry Potter, o meu primeiro contato com um livro mais “cheio”, li os sete duas vezes. Depois passei para algo mais robusto, como Dom Casmurro, e não entendi nada, não entendi mesmo. Mas decidi continuar, pois tinha chegado uma professora de literatura nova no ensino médio, chamada Jennifer.

Jennifer nos falava de histórias como O Cortiço e Senhora de uma maneira que até a turma do fundão brigava com quem ousasse conversar na aula. Ela subia nas cadeiras, gesticulava, elevava a voz, sorria, brincava… ela vivia o livro, era uma verdadeira performance. Aquele foi o meu primeiro contato com o amor pela literatura. Até hoje, eu lembro dela quando leio algum livro que ela tenha nos “forçado” a ler e apresentar na sala. Gostaria de um dia agradecer a ela e dividir histórias do mesmo jeito que ela fez comigo.

“É preciso que a leitura seja um ato de amor”.

– Paulo Freire
Após o ensino médio, eu passei um ano no cursinho. Eu odiava. Então, todo santo dia eu passava as horas vagas lendo. Foi nessa hora que eu vi que a leitura não é apenas didática, mas sim uma terapia. No ano seguinte, eu entrei para faculdade. A vida corrida e adaptação foram coisas que, por vezes, me distanciaram. Conheci uma pessoa que lia demais, conheci várias pessoas que liam demais, era quase uma disputa. Fiquei para trás, queria viver, queria começar a beber cerveja e falar com a galera de mundos diferentes do meu. Não tinha tempo para sentar e ler. Não me arrependo disso.

Foi em 2020, na pandemia, que o novo normal repleto de incertezas me fez voltar a ler para espantar a ansiedade. Comecei aos poucos e, logo, comprar livros se tornou uma compulsão. Comecei a pensar que era incrível, e absurdo ao mesmo tempo, o fato de que a história e as emoções que um livro conta filme nenhum consegue transmitir.

Então, conheci Evelyn Hugo, imigrante porto-riquenha que era uma das maiores estrelas de Hollywood, entre os anos 50 a 70. Evelyn me disse que “o mundo prefere mulheres que não têm noção do próprio poder, mas estou de saco cheio disso”, e ela está completamente certa. Conheci também Elizabeth Bennet, minha mãe que apresentou, uma moça considerada até rebelde para os padrões femininos de comportamento lá na Inglaterra do séc. 18. Ela se casou com um cara tão orgulhoso quanto ela, mas não deixou de ter o pulso forte nas suas convicções. Na Inglaterra Vitoriana, eu conheci Dorian Gray. Ele era vaidoso demais, e essa foi a sua ruína. Já a Daisy Jones eu não simpatizei muito. Achei ela muito mimada e foi por conta dela que o The Six, banda quase tão grande quanto os Beatles nos anos 70, tiveram desentendimentos e se separaram.
A minha próxima viagem vai ser para Moscou do início da década 1920, em plena Ditadura Stalinista. Fiquei sabendo que além da situação política e caótica devido ao governo, chegou um sujeito meio estranho acompanhado de um gato preto gigante e uma bruxa de fogo. Ele é meio maluco, diz que é o diabo, veio com histórias de que aconselhou Pôncio Pilatos no julgamento de Jesus e que também ajudou a matar os Czares da dinastia Romanov, na Rússia Imperial. Está atrás de uma moça chamada Margarida. Convidou todo mundo para uma grande festa à procura dessa moça. Quero ver o que vai acontecer no desenrolar da sua estadia, e também o que ele tem a contar sobre a participação do diabo em eventos históricos mundiais.

Cada passo nessa estrada foi em épocas diferentes, com amigos diferentes, que mesmo vivendo no imaginário de alguém que os colocaram no papel, sempre tinham alguma coisa para falar para mim naquele momento. Um conselho, uma lição, ou só me ajudar a esquecer um pouco a tristeza. Sou grata por isso, grata pela união do real e fictício que me formaram, e ainda formam, como pessoa. Ninguém teve a minha mãe, meu pai, Jennifer e todos os outros que me encontraram nesse caminho. Sou ciente desse privilégio e agradecida por ter chegado até aqui.

Para os que gostam de ser imersos em um novo mundo, segue essa playlist para ajudar nessa viagem: